Úrsula estava casada há mais de 10 anos e era constantemente agredida pelo marido, Policial Militar. Um dia, depois de uma discussão, as agressões recomeçaram e o marido pegou a arma que usava no trabalho. Úrsula deu um dinheiro ao filho pequeno para que ele fosse até uma Lan House, porque ela sentiu que naquele dia haveria uma tragédia. O menino saiu, Úrsula correr e se trancou num quarto. O marido foi atrás. Numa questão de segundo, entre uma agressão e outra, ela pegou a arma do marido e o acertou com um tiro no peito. “Eu não queria matar o meu marido. Era ele ou eu”.
Daiane tinha apenas 17 anos, e uma filha pequena. Depois de sucessivos episódios de agressões, ela deixou o companheiro, que era usuário de drogas. No dia de Natal, Daiane foi com a filha receber presentes que um vereador estava distribuindo em sua comunidade. O ex apareceu e começou a xingá-la, na frente de todos. Ela pegou a filha e voltou pra casa, sendo seguida por ele, aos gritos. Ao chegar em casa, o homem pegou uma faca de pão e começou a ameaçá-la de morte. Num descuido, a faca caiu. Daiane pegou a faca do chão e acertou em cheio o peito do ex marido. “Era para ter sido comigo, porque foi ele quem pegou a faca para me matar, e não eu que peguei a faca para matar ele”
Emília* era agredida e estuprada rotineiramente pelo marido, um ex-policial militar. Ela ainda era obrigada a assistir vídeos do marido fazendo sexo com outras mulheres, enquanto era estuprada. Em 2011, quando já estavam separados, o homem invadiu a casa em que ela morava, começou a socá-la e estuprá-la. Até que ela alcançou a pistola automática .40 que ele carregava e puxou o gatilho. “Na hora que peguei o revólver, deu um branco total. Foi um instinto de sobrevivência”.
Fruto de uma pesquisa de mais de quatro anos, o livro digital Elas Em Legítima Defesa – Elas Sobreviveram Para Contar, de Sara Stopazzolli, em lançamento pela editora DarkSide, traz histórias reais dessas e outras mulheres que sofreram abuso e violência doméstica e que mataram seus parceiros para preservar a própria vida.
A pesquisa de Sara também originou o documentário “Legítima Defesa”, idealizado e escrito por ela e pela irmã Leda Stopazzolli, e lançado e premiado na Mostra Competitiva do Festival Internacional Mujeres En Foco, em Buenos Aires, em 2017.
Durante os três primeiros meses de lançamento, 100% da verba arrecadada com as vendas do ebook será revertida para a Associação de Mulheres com Atitude e Compromisso Social (AMAC), ONG de Duque de Caxias (RJ) que atua desde 2010 no trabalho de acolhimento e apoio às mulheres e famílias vítimas de violência doméstica.
Após examinar 50 processos nos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo, Sara foi em busca de vítimas de violência de gênero em relações afetivas e ouviu relatos brutais. A obra acompanha essas mulheres, passando pela paixão inicial, as primeiras agressões, a escalada da violência, o momento da luta pela sobrevivência, os julgamentos e, por fim, a reconstrução de suas vidas.
O livro é enriquecido ainda por histórias inéditas, novos dados, ilustrações da artista Juliana Russo, frames do filme, além de estatísticas recentes e o aprofundamento de um tema — infelizmente — mais atual do que nunca.
Em sua pesquisa, Sara Stopazzolli descobriu que a dependência afetiva do companheiro (e até da família dele) é mais comum do que a dependência financeira, contrariando o senso comum. Dos seis casos registrados no seu livro, apenas duas mulheres dependiam do dinheiro dos homens. O livro também apresenta dados sobre o panorama da violência de gênero no país: 27,4% das brasileiras (16 milhões de mulheres) com mais de 16 anos sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A cada minuto, três delas sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento. Em 2018, 4.519 foram vítimas de homicídio, 30% delas em suas próprias casas. São números que mostram que, no Brasil, as mulheres vivem em estado permanente de legítima defesa.