O Brasil passou a última terça-feira (3) tentando digerir o termo “estupro culposo”. O termo foi utilizado para absolver André de Camargo Aranha, acusado de estupro contra Mariana Ferrer. O Código Penal inclui o estupro como crime doloso, então o termo, além de absurdo, é uma excrescência jurídica.
Diante dessa aberração jurídica, milhares de mulheres foram às redes sociais não só para protestar, mas para contar sua própria história, que envolve além da violência sexual, a violência institucional, quando o Estado lhes negou o direito de ampla defesa, garantido pela Constituição. O vídeo divulgado pelo Intercept foi a pá de cal que faltava para mostrar de vez que no Brasil, a justiça funciona sim, desde que você tenha como pagá-la.
A jornalista Amanda Audi, publicou em suas redes sociais, o estupro que sofreu de um “colega” de trabalho (ambos trabalhavam juntos no Intercept), que foi demitido assim que Amanda expôs o caso aos superiores. A jornalista tomou todas as providências legais, mas seu processo não foi levado à sério e o acusado, mesmo confessando, não sofreu nenhuma sanção: “Ele continuou tendo uma vida normal. Apesar de perder o emprego no Intercpet, não soube de mais nenhuma consequência que tenha sofrido. Eu, por outro lado, tive que começar tratamento psicológico e psiquiátrico e cheguei a tentar me matar (nunca havia falado sobre isso antes). Por ordem dos advogados do envolvido, Amanda foi obrigada a apagar a postagem.
Fui obrigada a apagar meus posts sobre o estupro que sofri. Espero que vocês se lembrem
— Amanda Audi (@amandafaudi) November 4, 2020
A pessoense Maira Rosas também usou suas redes sociais para contar que foi violentada por um “amigo” enquanto estava inconsciente. “Tava mto bêbada e muito enjoada , tanto que fui no banheiro, vomitei e voltei pra sala e adormeci num colchão. Quando consegui pedir pra parar, ele parou, mas ficou se masturbando olhando pra mim e eu ouvi absolutamente o barulho todo, das gemidas até a hora da ejaculação. Vocês acham mesmo que se eu fosse denunciar esse cara ia dar em algo? Ser mulher é isso: se calar e deixar pra lá pq sabem que vão duvidar de você e seu psicológico que lute”.
a chover e lembro do cara me beijando na chuva e quando dei por mim estava na casa dele. tava mto bebada e muito enjoada , tanto que fui no banheiro, vomitei e voltei pra sala e adormeci num colchão. acordei com o PENIS DELE dentro de mim. qdo consegui pedir pra parar, ele parou+
— gordinha mimada (@maira_rosas) November 3, 2020
Uma estudante de engenharia elétrica da UFPB nos disse, por meio de mensagem privada, que precisou trocar de orientador de TCC porque ficou com medo do professor passar dos limites. “Ele me acariciava de forma inconveniente e ficava me convidando o tempo todo pra sair. Meu trabalho não tinha nenhuma correção e ele só aceitava se encontrar comigo se fosse à noite, na casa dele. Eu inventei uma desculpa pra poder sair daquela situação. Mas eu soube que outras meninas só conseguiram apresentar o TCC depois de ceder. A gente fica de mãos atadas, e depois desse caso de Mariana Ferrer, fica ainda com mais medo de denunciar, porque não vai dar em nada”.
O que esse caso nos mostrou é que não há escapatória. O não consentimento não é respeitado, nosso corpo não é respeitado. Quando decidimos denunciar, somos desacreditadas e induzidas a desistir, e se o caso chega à instância do julgamento, somos humilhadas.
Como bem pontuou Amanda Audi em sua publicação, a justiça odeia as mulheres.