Uma das nossas principais pautas diz respeito à violência contra a mulher e suas variáveis. Violência doméstica, por exemplo, não é só agressão física. Violência sexual não é só penetração. E por aí vai. Mas e a violência institucional? Você sabe o que significa?
Em maior ou menor grau, todas as mulheres já passaram por algum tipo de violência institucional, e nos casos mais graves, ela nada mais é do que uma continuação de uma outra violência já sofrida. Por exemplo: uma mulher que apanhou do marido, procura um médico e ele pergunta: “Mas o que você fez pra que ele perdesse o controle?”. Ou quando uma mulher é vítima de estupro e ao tentar denunciar, o delegado pergunta “Você tinha bebido? O que você estava vestindo?”. Esse tipo de violência é a grande responsável pelo silenciamento das mulheres, afinal de contas, quem quer ser novamente violentada?
O caso mais recente e mais notório é do Mariana Ferrer, que você pode rever aqui.
Para evitar que esse tipo de agressão continue acontecendo, as deputadas Soraya Santos (PL-RJ), Flávia Arruda (PL-DF), Margarete Coelho (PP-PI) e Rose Modesto (PSDB-MS) criaram o projeto de lei, batizada de Mari Ferrer, para criminalizar a violência institucional. Apresentado em 4 de novembro e aprovado na última quinta-feira (10), o texto segue, agora, para análise do Senado, o que deve acontecer apenas em 2021.
A proposta do projeto é alterar a lei sobre crimes de abuso de autoridade e incluir o de violência institucional. O crime compreenderia atos praticados por agentes públicos que prejudiquem o atendimento à vítima ou à testemunha de violência. Inclui, também, omissão, como no caso de Mariana, em que o juiz não pediu ao advogado diretamente que parasse de ofendê-la. A pena seria de três meses a um ano de detenção, mais multa. “A ideia é inibir que agentes ajam de maneira violenta contra vítimas e puni-los se fizeram, alertar que o que estão fazendo é crime para que se reeduquem e sigam os protocolos adequados para a situação”, afirma a deputada Margarete Coelho.
Margarete afirma que a bancada feminina já estava debatendo o tema, que englobava casos de violência obstétrica, mas o vídeo da audiência com Mariana tornou a questão urgente. “A gente fez a lei inspirada nela, gostamos de dar nomes para marcar os fatos. Com a divulgação das imagens, nós, mulheres, confirmamos o que já sabíamos, mas os deputados homens ficaram estarrecidos. Foi uma comoção. Infelizmente, o caso da Mariana nos deu palanque. Mas claro que o ideal era ela não ter passado pelo que passou.”.
O projeto é importante, mas existem algumas questões em aberto. Para Lívia de Souza, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre a Mulher da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e mestre em Direito com uma dissertação sobre os discursos jurídicos nos casos de violência sexual, a lei é importante por nomear a violência institucional e colocá-la como um crime.
Mas, salienta, a mudança deveria vir também das próprias instituições. “Deveriam seguir uma questão ética profunda em relação ao tratamento dado a mulheres que denunciam violências sexuais e se balizarem por isso”, opina. “Deveria haver uma capacitação para juristas e autoridades policiais para que o constrangimento da mulher fosse evitado”, diz.
“O que vemos é que as instituições se protegem. O judiciário, a defensoria pública, a polícia, dificilmente vão denunciar um ao outro. Aí, sobraria para vítima, de novo.” Lívia lembra que esse processo de exigir punição por um crime sofrido é doloroso. “É comum que, no Judiciário e na polícia, as vítimas tenham que provar o tempo todo que são vítimas. É desgastante. Elas são vitimizadas de maneira absurda”, diz a pesquisadora, que já atuou em um centro de referência para mulheres em Belo Horizonte.
“Porque essa é uma mulher que já relatou o que viveu ao procurar o serviço de saúde, depois na delegacia, depois em uma audiência. Ela vai relatando de novo e de novo, e sua condição psicológica vai sendo abalada.”
De qualquer modo, é um projeto que precisa ser debatido com a sociedade civil, e principalmente, com as entidades que atuam diretamente na proteção e defesa das mulheres vítimas de violência. E tudo se resume à um ponto comum: mudança de cultura.
da redação, com informações do site Universa