Tido como favorito para vencer as eleições de presidência da Câmara dos Deputados e apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o deputado Arthur Lira (PP-AL) está sendo acusado de agressão pela ex-mulher, Jullyene Lins, com quem foi casado por dez anos e teve dois filhos.
Jullyene abriu o primeiro processo contra o ex-marido em 2006, por lesão corporal. Ela relatou que os dois estavam vivendo em casas separadas na época, ainda que seu filho mais novo tivesse apenas 23 dias de vida, porque vinha sendo traída por Lira há anos e já não aguentava mais a situação.
Um dia, contudo, Lira foi até sua casa e, assim que ela abriu a porta, passou a agredi-la com socos, murros, pontapés. O deputado chegou até a esganá-la. “Minha sorte foi a babá do mais velho, que ouviu meus gritos e ligou para a minha mãe, que apareceu lá, mas eu estava desfalecendo já”, relembrou.
A violência durou cerca de 40 minutos, durante os quais Lira, além de golpeá-la, também a xingava de vagabunda e outras ofensas. O comportamento explosivo já era comum da parte do político, mas Jullyene nunca imaginou que ele um dia pudesse de fato chegar a agressão. “Aquilo era o machismo puro, o sentimento de posse, que acho
que tem até hoje. Tudo tem que estar no domínio dele, no comando dele, a arrogância e a prepotência.”
Com a mãe, o irmão e a babá como testemunhas, ela prestou queixa na delegacia e passou por exames no IML. Dias antes de ser ouvida, porém, a vítima recebeu uma nova visita surpresa de Lira, que entrou em sua casa sem que ela soubesse e a coagiu para que retirasse a queixa.
Quando ela se negou, Lira então ameaçou tomar a guarda dos filhos. “Ele deu um tapa na mesa e disse: ‘Ou você fala o que eu quero ou você vai perder os meninos porque quem manda aqui sou eu, o que eu quiser eu faço e aconteço. Ou você faz isso, ou nunca mais você vai ver seus filhos’.”
Depois disso, Jullyene perdeu seu advogado e prestou depoimento acompanhada do advogado que representava o ex-marido e que a orientou sobre o que e quando falar, cutucando-a por debaixo da mesa durante a audiência. Com isso, Lira foi absolvido em 2015.
“Fiquei péssima. Imagina uma mulher ter que se calar diante de tudo o que falou e ser passada de mentirosa”, disse ela que, destruída e constrangida, entrou em depressão por causa dos maus-tratos e ameaças.
Meses depois, ela voltou a registrar um boletim de ocorrência contra o deputado. Na ocasião, ele havia tentado pegar os filhos em um dia fora do estipulado pelo calendário de visitas. Mais tarde, Jullyene conseguiu uma medida protetiva na Justiça para que o ex não pudesse frequentar os mesmos locais que ela e não ultrapassasse o limite de
distância estipulado pela lei.
Refém do medo
A medida não foi capaz de restabelecer a paz de Jullyene. Com medo de ser atacada na rua ou se envolver em algum acidente, ela só saía de casa acompanhada de outras pessoas e não dirigia. Afinal, durante a separação, no auge de sua ira, o deputado havia dito para ela que “onde não há corpo, não há crime” e que ele poderia fazer qualquer coisa com ela.
A violência física e psicológica se estendeu também para o âmbito patrimonial. Lira cortou a pensão alimentícia dos filhos, limitando as condições de Jullyene para criá-los. Além de lhe dever quase R$ 600 mil em pensão, ele ainda a usou como laranja, abrindo uma empresa no nome dela. Por causa disso, ela não consegue abrir contas em bancos,
responde por causas trabalhistas e não tem mais vida fiscal. A partir de 2019, ela começou a mandar emails denunciando o que enfrentava, inclusive para o Ministério da Mulher, que a ouviu em uma audiência virtual em setembro passado. “Disseram que iriam mandar a documentação necessária a cada setor, como PGR [Procuradoria-Geral da República], MP [Ministério Público] de Alagoas, voltar para a Vara de Família, que a gente sabe que não resolve nada e ficou por isso mesmo.”
Questionada sobre os motivos que a levaram a retomar as denúncias agora, Jullyene afirmou que prefere ter a consciência limpa do que carregar o peso que a acompanha até hoje, vendo os efeitos da manipulação feita por Lira em sua própria família, que se voltou contra ela para defender o parlamentar. “Ninguém quer mais falar mais nada. Eu perdi meus filhos do mesmo jeito. Hoje não tenho mais nada.”
Em nota enviada para a Folha, Arthur Lira declarou que as declarações de Jullyene são “requentadas” e que ele já foi absolvido de tais acusações. “O resultado deste processo é de conhecimento público, inclusive, por parte deste veículo de comunicação, de forma que, a repetição e veiculação da falsa acusação, atrai a responsabilidade penal e cível não só de quem a pratica, mas também de quem a reproduz, ante a inequívoca ciência da sua falsidade”, disse.
Em outros tempos, talvez essa entrevista representasse algum perigo à reputação do queridinho do presidente. Mas estamos falando de 2021, quando temos que lidar com as mortes causadas por uma pandemia. e pior, dentro de um contexto de poder que, se antes já não dava a devida importância ao que acontece com uma mulher violentada, hoje se importa menos ainda.
da redação, com informações da Folha de São Paulo