Imagina a mulher que tem filho pequeno, trabalha, cuida da casa e ainda faz pesquisa acadêmica? Como já falamos aqui algumas vezes, a pandemia do coronavírus piorou de forma significativa a vida de milhares de mulheres. Para aquelas que fazem pesquisa e ainda precisam lidar com o cotidiano de aulas remotas e emprego – sabemos os cortes do Governo Federal nas bolsas de pesquisa – surge uma oportunidade.
O programa Amanhã, desenvolvido pelo movimento Parent in Science, pretende dar uma bolsa mensal para incentivar pós-graduandas com filhos a não deixarem os estudos e as inscrições ficam abertas até o dia 19 de fevereiro.
A ideia do projeto surgiu a partir do resultado de uma pesquisa conduzida em maio de 2020 por um coletivo de mães e pais pesquisadores fundado em 2016 pela professora da UFRGS Fernanda Staniscuaski, com o objetivo de mostrar que a produção científica de mulheres com filhos menores de 12 anos foi a mais afetada pela pandemia do coronavírus.
“Nós fizemos a pesquisa com 10 mil alunos e ficou claro o quanto as mães estavam com dificuldade”, afirma Fernanda. De acordo com os dados, só 34% das mulheres pós-doutorandas com filhos conseguiram submeter artigos científicos como o planejado. Para as sem filhos esse percentual ficou em 49%, menor do que o número de pais que dizem ter conseguido manter a produtividade, 58% dos entrevistados. Já os homens sem filhos foram os menos impactados: 67% deles disseram ter mantido a entrega de artigos conforme o planejado.
Para ser elegível, a mãe precisa estar na fase final do curso, com previsão de término até o final de 2021. Também precisará comprovar necessidade financeira. O valor da bolsa ainda não está definido, diz Fernanda, porque dependerá do número de inscritas e da quantidade de dinheiro arrecadado pelo grupo. Até o momento, a vaquinha virtual e as doações feitas por Pix somam R$ 62 mil.
“Nós tentamos parcerias com marcas, com empresas, mas até agora não conseguimos”, diz a pesquisadora. “A ideia era dar uma bolsa de cerca de R$ 800 entre três e nove meses, que é o tempo máximo para a conclusão que estabelecemos, mas talvez a gente tenha que diminuir esse valor para dar conta de toda a demanda.”
Além do critério de renda (entre as inscritas, 55% afirmam ter renda familiar de até dois salários mínimos), também serão feitos outros recortes. “Vamos dar prioridade para mães negras e indígenas, mães solo e mães de crianças com deficiência”, afirma Fernanda.
O estudo mostrou ainda que o grupo mais afetado são as mulheres negras com filhos pequenos.
Angela Teixeira, mestranda em educação na UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri) é moradora de uma comunidade rural em Minas Gerais. Mãe de quatro meninas e professora, ela espera conseguir diminuir o número de aulas para terminar de escrever sua dissertação.
“Eu nunca tinha ouvido falar desse tipo de suporte, ser mãe na universidade é muito difícil”, conta ela. A filha mais velha de Angela tem 15 anos, e a mais nova, 6.
A pandemia trouxe desafios extras para as mães pesquisadoras, muitas das quais são também docentes, como a necessidade de aprender a ministrar aulas virtuais e ao mesmo tempo ajudar os próprios filhos com a escola online, perda de fontes de renda e de rede de apoio.
“Quando minha filha tinha nove meses, a gente conseguiu alguém para cuidar dela, eu deixava ela lá e buscava depois da aula, mas aí veio a pandemia”, diz Geraldine Fadairo, mãe de Esmeralda, 2, e mestranda em antropologia do Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém (PA). “Além disso, tudo encareceu e não temos mais a fonte de renda que usávamos para pagar por esse cuidado.”
A vida das mães estudantes já não era fácil antes da pandemia. Geraldine conta que chegou a levar a filha para a aula por não ter com quem deixá-la, mas não teve boas experiências com professores.
A própria criação do Parent In Science se deu a partir da experiência de Fernanda com a maternidade. A pesquisadora já tinha um pós-doutorado e mesmo assim pensou em desistir da área acadêmica. “As coisas começaram a degringolar em 2014, e achei que aquilo não era pra mim”, diz. “Não via ninguém falando sobre isso.”
Hoje, o núcleo do movimento é formado por 15 mães e um pai. Além deles, o grupo conta com 91 “embaixadores” em 53 universidades espalhadas pelo Brasil. A ideia é criar marcos que facilitem a permanência de pessoas com filhos nas carreiras de pesquisa. “Nós queremos ser um grupo propositivo, não apenas discutir mas também levar mudanças para essas universidades.”, diz Fernanda.
da redação, com informações da Folha