O luto de uma filha que perdeu a mãe para a Covid-19, após mais de 40 anos de dedicação hospitalar

By 9 de março de 2021Lute como uma garota

Já publicamos aqui diversos relatos sobre perdas relacionadas à covid. Alguns são particularmente mais duros de acompanhar.

O relato de hoje é de Denise Eduardo, que perdeu a mãe para a Coivd-19 no início de janeiro. Servidora do Hospital Universitário Lauro Wanderlei a 44 anos, Marlene Eduardo dos Santos já podia ter se aposentado, mas isso não era um ponto a se discutir. Começou a trabalhar na unidade como telefonista, até que terminou a faculdade e passou a ser assistente social. Só na clínica cirúrgica do HU, ela trabalhou mais de vinte e oito anos. Foram incontáveis as pessoas que passaram por seu convívio. Marlene gostava muito de atender e cuidar das pessoas, de garantir atendimento digno e humano.

Quando saiu para ser internada, olhou nos olhos da filha e disse “Domingo estou de volta!”.

Quando veio a pandemia, minha mãe ficou muito assustada e até ficou uns dias em casa, mas não conseguiu ficar sem trabalhar e então voltou aos plantões, finais de semana e feriados. Outros profissionais começaram a se afastar pela doença, e o trabalho ficou sobrecarregado.

No início de dezembro, Dia de Iemanjá, com a árvore de natal já montada, meu irmão começou a apresentar sintomas da doença. Acho que minha mãe também começou a sentir, mas ficou tão preocupada com meu irmão, que se negligenciou. Mãe é mãe.

No final das contas, todos de casa estavam com covid. Minha mãe começou a reclamar de cansaço e dor de cabeça. Logo minha mãe, que não gostava de ficar parada.

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Minha mãe fez o teste PCR, fez a tomografia do pulmão e já na primeira tomografia, deu que ela estava com o pulmão comprometido. A saturação dela abaixou muito, ela foi na UPA de Cruz das Armas, e de lá ela não voltou mais pra casa. No Hospital Metropolitano ficou dois ou três dias na enfermaria, depois ela foi pra UTI. E foi muito doloroso pra todos nós.

Foi absurda a rapidez na piora do quadro. Ela ficou triste, mas no fundo já sabia, ela sabia exatamente o que as pessoas passavam. Enquanto filha mais velha, acabei tendo que lidar com notícias do hospital, e comecei a ficar muito ansiosa, devo continuar tomando remédio pra ansiedade, remédio pra dormir e remédio pra pensar. Comecei a ter pânico de atender telefone. É muito duro relembrar tudo o que aconteceu com minha mãe.

E tentava ser forte, lidar com isso tudo e ela tentando sobreviver lutando. Ela lutou muito. E nós fizemos tudo que estava ao nosso alcance.

Passei a noite de Natal sozinha com minha irmã. Nossa família é muito grande e sempre nos reuníamos no Natal. Apesar de tanto dor, não tínhamos perdido a esperança e a fé.

A minha mãe era tudo pra mim. Minha mãe nos criou sozinha e com muito sacrifício. Ela era minha melhor amiga. Minha ficha tá caindo agora.  Me dói muito saber que são muitas, milhares de famílias tão passando por isso nesse país. Quando veio a notícia da vacina, eu tinha certeza que ela seria umas das primeiras… mas ela não teve tempo.

 Acho que só agora consigo pensar um pouco disso tudo, do trauma que foi tudo isso. Ainda estamos sem saber o que fazer. Lidar com tudo isso é muito doloroso, ainda mais quando não podemos ter por perto as pessoas que amamos, nossos amigos. Parece que arrancaram um pedaço da do meu corpo

Esse país não tá dando condições pra que as pessoas façam distanciamento, as pessoas fiquem em casa, que a gente se cure. Então, parece que é de propósito, sabe? Eu tenho muita tristeza, muito medo de perder mais pessoas.

Essa foi uma das primeiras vezes que eu consegui falar de tudo isso assim, de toda essa experiência. Depois que mainha faleceu, eu recebi muitas mensagens de conforto mas é uma dor que não passa.

É muito triste que eu e mais de duzentos e sessenta mil famílias tenhamos que passar por isso. Viver num país e sem perspectiva de melhora, sem ações concretas. A gente olha no horizonte e não tem esperança, sabe? Eu não sei se sou a única, mas é isso que eu sinto.”

Não Denise, você não é a única.

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