Efeito Lumena: Como o BBB expõe o preconceito e a não aceitação das mulheres negras

Neste ano, os participantes do Big Brother Brasil estão expondo, mesmo que sem perceber, alguns problemas bem reais da sociedade brasileira. Essa edição conseguiu ser uma das mais chamativas de todo o programa, batendo o recorde de audiência da década. O show foi criado com intenção de entretenimento ao confinar pessoas desconhecidas na mesma casa com desafios e provas, mas o que os espectadores não esperavam era o peso social que o BBB21 acabou desenrolando.

Entre os jogadores, uma das mais comentadas e inspiração para todo tipo de meme é a participante recém-eliminada com 61,31% dos votos, a psicóloga Lumena Aleluia.

As polêmicas protagonizadas por Lumena e sua amiga, Karol Conká, chamaram atenção do país e muitas pessoas afirmam que as participantes “militaram errado”. Mas o que seria “militar errado”?

“Eu não acredito que ela militou errado ou certo, ela colocou os pontos de vista dela. Não existe militância errada, existe o como a gente se posiciona em tal momento, isso não vai representar para sempre um movimento”, explicou Ana Carla Lemos, cientista social e mestra em antropologia.

A controvérsia no comportamento de Lumena acabou puxando os olhos do Brasil, gerando inúmeros memes e risadas, porém trouxe também uma carga bem negativa, é possível observar uma banalização na militância, uma diminuição na causa negra com base nas ações de um pequeno grupo. “Até a militância não é um lugar possível para as mulheres negras. Evidente foram evidenciados alguns, exageros, no entanto, estes não representa a identidade coletiva do movimento negro, que vem a décadas trabalhando para a desconstrução do racismo estrutural”, comentou Ana.

“O grupo de pessoas negras é diverso, há gente de todos os lugares, com todo tipo de ideal e posicionamento. As pessoas tinham muitas expectativas no maior número de negros da história do BBB e acabaram esquecendo que ali são seres humanos com suas próprias peculiaridades”, ponderou Kywza Fideles, doutora em comunicação e pesquisadora associada do Instituto de Estudos da África (IEAf).

O nome da psicóloga virou “xingamento” em rodas de conversas, significando “extremismo”, “chatice”, ou seja, tudo aquilo que as pessoas costumam usar quando não concordam com uma militância, não têm argumentos para rebater e tentam banalizar e inferiorizar.

“Quando uma pessoa branca comete um erro similar, ninguém julga todo o grupo de pessoas brancas, isso a gente vê inclusive em outras edições do próprio BBB. Com um grupo negro sempre há essa tentativa de generalização de pessoas muito diversas”, ressaltou Kywza.

A doutora também destacou que todo mundo milita por algo, a diferença da militância institucional para a individual está na disciplina. “Quando se é militante, isso fica arraigado, pode até ser chato ter que explicar sempre as mesmas coisas e na casa tem uma pressão psicológica, querendo ou não. A piração dela foi que ela quis dissociar a Lumena da militante, mas já estava tudo tão arraigado que deu nó”, comentou.

Lumena também ficou famosa por seus discursos com linguagem complicada, como forma de sobrepor a sua opinião através de palavras mais rebuscadas. O que muitos internautas reagiram, afirmando que usar a língua como instrumento de opressão não torna o argumento mais correto.

“Na academia a gente aprende que é preciso adequar a linguagem e acho que ela precisava ter feito isso. Se fosse usar alguns termos daquele, ela precisaria explicar um pouco do que se tratava, por ser um programa bem popular”, explicou Ana. A cientista seguiu a lógica afirmando que para a militância ser bem sucedida, precisa ser pedagógica. “A militância passa por um processo de convencimento, você precisa ser pedagógica para convencer as pessoas do seu argumento. É um processo lento”, ponderou.

Entretanto, observando edições anteriores, houve Brothers com o comportamento muito mais marcante do que o da psicóloga e a repercussão não foi nem de longe parecida. “Não há a mesma repercussão, já vimos homens brancos estupradores e violentos em edições passadas e não teve essa mesma repercussão de cancelamento dessas pessoas, eles ganharam mídia, emprego e visibilidade positiva. Já foram esquecidos.  Pelo fato dessas mulheres serem negras elas já têm um enfrentamento à sociedade racista”, comentou Ana.

Quando se é mulher e negra no Brasil, não dá para negar que há uma camada de esforço extra em qualquer conquista ou trabalho. Isso pode levar as pessoas ao extremo, com ações que podem não ser entendidas à primeira vista, mas têm razões que transcendem séculos de luta, silêncio e educação opressora. “Se a gente tivesse educação antirracista, aqui fora ela não estaria sendo julgada assim. Ela falava coisas em momentos equivocados, sim! É só uma pessoa com o dedo em riste! A militância em si não tem esse dedo em riste”, comentou Kywza.

“Nós, mulheres negras, escutamos do mundo o tempo inteiro que precisamos ser fortes, a gente tem que omitir as nossas emoções. Enquanto na década de 70 as mulheres brancas lutavam pelo direito de trabalho, as negras já trabalhavam há muito tempo nas casas dos senhores. Sempre fomos educadas e obrigadas a não expor essas emoções, e quando expomos, sai de uma forma mais para esconder a nossa fragilidade”, explicou Ana.

Independente de etnia, cultura ou educação, cada pessoa continua sendo singular, com uma visão única de mundo e maneira mais única ainda de expor seus ideais. ”Lumena é mulher, negra, lésbica, mestra em psicologia, isso fere muito o ego dos racistas, machista, lesbofóbico. Evidente que não posso eximi-la de seus erros, mas com esses conjuntos de marcadores a casa grande pira”, firmou a cientista social.

“É aquela coisa, não dá para generalizar nada, e nem ir pelo reducionismo a um grupo: nem todo branco é meu inimigo e nem todo negro é meu aliado”, concluiu Fideles.

 

Ananda Barcellos, especial para o Paraíba Feminina

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