A indignante história do pastor evangélico que estuprou pelo menos 11 mulheres dentro da igreja

Ser mulher é estar em risco em qualquer ambiente. Já falamos sobre isso inúmeras vezes: em casa, no trabalho, na rua, no hospital, na igreja. Simplesmente não há lugar seguro.

O pastor evangélico Francisco Dias da Silva Filho, ex-líder da Igreja Batista em Campo Grande, no Recife, assediou, estuprou e violentou pelo menos onze mulheres dentro do gabinete pastoral da igreja, de acordo com as vítimas que o denunciaram. Mestre em psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Silva Filho recebia as fiéis dizendo que pretendia aconselhá-las. Por anos o pastor abusou de mulheres, de acordo com inquérito da Polícia Civil, que começou a investigar o caso depois que as vítimas decidiram romper o silêncio e prestaram queixa contra o líder evangélico. Silva Filho chegou a ser indiciado pela Polícia Civil por assédio sexual, estupro, violação sexual mediante fraude, injúria racial, difamação e violação de segredo profissional.

Fugindo da tese que a justiça tarda, mas não falha, Francisco Dias da Silva Filho morreu no último dia 7 de março em Recife, após ser internado com coronavírus.

A morte do pastor encerrou o caso no âmbito jurídico, mas a delegada responsável pelo caso, Bruna Falcão, ressalta a importância do eco dessas vozes. “Francisco não era o único. Existe uma conduta nos meios cristãos e evangélicos de colocar panos quentes, não só em questões relacionadas à violência sexual, mas também à violência doméstica”, afirma. “Esse movimento de mulheres que procuram a polícia para denunciar abusos e violências na igreja não pode parar nunca, para que outras vítimas se reconheçam nessas historias e também busquem ajuda.” A denúncia contra Silva Filho veio à tona depois que essas mulheres se reconheceram nos relatos umas das outras.

Trechos dos depoimentos das vítimas estão em destaque.

A delegada Bruna Falcão afirma que o modus operandi da abordagem do pastor foi importante para que ele fosse indiciado. “A gente não tinha prova material pericial de fato, até porque elas levaram muito tempo para se reconhecerem vítimas. Mas ficou claro que existia uma identidade de comportamento dele e não uma unicidade de discurso delas”, afirma. “Francisco se valia da confiança que elas depositavam nele como pastor. Muitas se culparam por muito tempo, acreditando que ele não seria capaz de fazer nada errado”, diz a delegada. “Elas só começaram a entender o que tinha se passado quando se reconheceram nas histórias uma das nas outras e perceberam que as técnicas eram muito parecidas”. As denúncias, de acordo com a delegada, ocorreram entre o final de 2019 e o início deste ano. Ao todo, onze mulheres prestaram depoimento e relataram casos ocorridos entre 1996 e 2019. Alguns desses casos já estavam prescritos.

Juliana* foi uma dessas mulheres encaminhadas ao pastor Francisco. Há três anos, ela engravidou de um homem que fazia parte do ministério de sua igreja, que fica em Olinda. Sabendo da gravidez, o líder da instituição que ela frequentava a encaminhou para Francisco. “Meu pastor foi até a minha casa e disse que eu estava louca de levar adiante a gravidez e que eu precisava de ajuda”, conta. “Na mesma hora ele ligou para o pastor Francisco e marcou um horário para que eu fosse lá.”

Juliana narra com muita dificuldade, mas com riqueza de detalhes, o dia em que foi até o gabinete pastoral, em setembro de 2017, e sofreu um estupro seguido de golpes violentos em seu ventre.

A promotora de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, Henriqueta de Belli, afirma que as vítimas do pastor Francisco não se limitaram às mulheres que frequentavam sua igreja. De acordo com ela, o pastor recebia fiéis de outras instituições, encaminhadas por suas lideranças, para serem “tratadas” por ele. “Havia uma rede”, diz. “Todo líder batista das igrejas de bairro de periferia do Recife recorria a esse pastor para resolver demandas com mulheres deprimidas ou com problemas pessoais”, afirma ela. “As estruturas das igrejas hoje no Recife se aproveitavam da figura dele como sendo um cara intermediador de conflitos. Eu tenho esse entendimento a partir das escutas que eu fiz na promotoria de Olinda, embora eu não seja promotora do caso”.

O Coletivo Vozes Marias, formado por mulheres evangélicas e feministas pela igualdade de gênero, denuncia que a institucionalidade das igrejas perpetua as violências cometidas contra as mulheres e protege os agressores. “Existe um modo de praticar a violência que, mesmo quando vem à tona, as mulheres são enquadradas como adúlteras, e eles dizem que foram seduzidos por elas”, afirma Bárbara Aguiar, articuladora e mobilizadora coletivo, que se propõe a levar a discussão de gênero para dentro das igrejas.

A conselheira de Direitos Humanos Sylvia Siqueira ajudou o grupo a quebrar o silêncio e prestar depoimento na delegacia. Ela afirma que mesmo após a morte do pastor, essas mulheres continuarão pedindo justiça, por meio de apoio psicológico e também pela responsabilização da igreja. “Lamento que Francisco Dias tenha falecido, pois os crimes que ele cometeu estão vivos nos corpos e nas mentes de mulheres que se contorcem de dor, uma dor na alma, ao lembrar do que viveram”, diz. “Por isso continuaremos exigindo justiça e isso vai além da condenação judicial”.

A Igreja Batista em Campo Grande foi procurada e afirmou, por meio de nota, que Francisco Dias da Silva Filho deixou a função de presidente da instituição em dezembro de 2019. “A igreja se colocou à disposição das autoridades competentes, com fins de colaborar com a apuração dos fatos”, afirma a nota. “No tocante às mulheres que apresentaram queixa contra o ex-pastor, a Igreja fez um trabalho de acolhimento oferecendo suporte psicológico e espiritual.” Todas as vítimas entrevistadas pela reportagem afirmaram que deixaram de frequentar a igreja. Algumas têm acompanhamento psicológico pago pela instituição.

A família de Silva Filho, por meio de uma sobrinha, não quis comentar o caso.

do jornal El País

 

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