Desde a década de 80, estudos feitos em todo o mundo apontavam maior probabilidade de divórcio em casais (heterossexuais) que tem filhas mulheres como primogênitas. Mas não haviam explicações claras sobre os motivos.
Uma pesquisa conduzida pelos economistas Jan Kabátek, da Universidade de Melbourne, na Austrália, e David Ribar, da Universidade de Geórgia, em Atlanta (EUA) parece ter encontrado o motivo desse aumento.
Avaliando quase 3 milhões de registros matrimoniais na Holanda de 1971 a 2015, os dados apontam que o risco médio de divórcio quando a primeira filha do casal é menina é cerca de 5% maior em comparação com casais cujo primeiro filho é do sexo masculino, mas somente durante a fase da adolescência -de 13 a 18 anos. Essa probabilidade maior chega a 9,3% quando a menina tem 15 anos.
Para avaliar esse risco, os autores fizeram uso de uma ferramenta estatística poderosa que, com um conjunto de variáveis observáveis, pode gerar um modelo de predição, conhecido como risco condicional (ou conditional hazard).
Este modelo leva em consideração também o risco acumulado de divórcio ao longo do tempo, ou seja, se esse efeito é igual desde o nascimento até a idade adulta dos filhos (25 anos).
Considerando o acúmulo de anos, o efeito das filhas sobre divórcios existe, mas é pequeno, de 1,8% (taxa de divórcio de 20,48% para filhas mulheres contra 20,12% de filhos homens). A mesma probabilidade cai para quase zero quando os filhos têm 19 anos; e é de pouco mais de 0,3% quando eles são crianças (0 a 12 anos).
Os pesquisadores também compararam fatores como escolaridade e nível econômico dos pais, se são imigrantes ou não (no caso, como a pesquisa foi conduzida na Holanda, consideravam qualquer ascendência que não de origem holandesa como imigrantes), se eram filhos de primeira geração de imigrantes ou ainda quantos irmãos ou irmãs cada pai tinha.
É difícil definir com precisão uma única causa para esse efeito, diz Kabátek, porque assim como as relações entre os casais são diferentes, também são as relações entre pais e filhos. Mas um padrão se repetia nos dados observados: quando os pais são de origens distintas ou ainda têm níveis de escolaridade mais baixos, esses conflitos de gênero eram aumentados e, consequentemente, o risco de divórcio era maior.
O risco de divórcio na Holanda é cerca de 20%, mas se os pais têm origens distintas ele vai a 30% e, se a primeira filha é menina, há ainda um acréscimo de 10% nessa probabilidade de divórcio.
“Com base nisso, pode-se levantar uma hipótese de que os conflitos tanto na visão do pai com a filha adolescente de questões de gêneros quanto visões distintas entre os dois pais sobre como essas questões devem implicar na criação das filhas também são fatores que aumentam o risco de divórcio“, explica.
Um dado relevante que surgiu e que provavelmente não foi encontrado em estudos anteriores foi que pais que não tinham irmãs o risco de divórcio era maior quando a primeira filha é mulher, mas ele é igual a zero se o pai teve pelo menos uma irmã, indicando que crescer com uma presença feminina ajuda na resolução dos conflitos de gênero. “De novo, essa é uma das possibilidades, mas existem outras hipóteses que podem atuar e que não temos como dizer com certeza.”
É importante destacar que esse foi um estudo baseado em um modelo estatístico produzido a partir de dados observados na Holanda, e não necessariamente pode ser replicado em outros países ou em outras sociedades distintas.
A psicóloga especialista em terapia sistêmica familiar e que também foi professora da UFRGS, Suely Britto, diz que não seria possível extrapolar os achados da pesquisa para o Brasil sem dados regionais, mas ela destaca que a fase da adolescência dos filhos coincide também com o início da fase de meia-idade do casal.
“O casal que já conquistou casa, comprou um carro, tem o emprego dos sonhos, já chegou ao máximo desse ideal de vida, começa a viver uma fase que chamo de ‘desidealização’, que é quando passa a questionar se a vida que vive é suficiente ou se pode buscar outra chance de ser feliz.”
“E nessa fase, que coincide com o período da adolescência dos filhos, uma fase já de tensão familiar devido à própria questão de o adolescente buscar aceitação em grupos, às vezes tem a entrada de drogas, a questão da sexualidade, tudo isso afeta a dinâmica familiar”, diz.
Outro ponto que a psicóloga observa é de, em geral, os pais, e principalmente as mães, terem uma atitude mais protetora com os filhos homens. “Existe também um comportamento de poupar o filho adolescente, de não ter conflitos na frente dele, e de maior exigência das filhas mulheres.”
A ocorrência de brigas também foi um achado importante da pesquisa da Kabátek. “No nosso estudo, as discussões entre casais ocorrem mais na frente das filhas meninas do que dos meninos. Esses dados ficam mais evidentes quando comparamos casais com as mesmas características, como por exemplo de descendências distintas (imigrantes e não-imigrantes). Isso sugere que conflitos de gênero, aliado a outras divergências culturais, são um dos fatores influenciadores de estabilidade conjugal”, diz.