Seu José (nome fictício) assistia a uma série de televisão em uma noite de domingo quando foi surpreendido pela polícia: com a roupa do corpo, ele foi “arrastado” para fora de casa, levado para a delegacia e depois para a cadeia, de onde só saiu em dezembro de 2020, 11 meses depois. Demorou para que seu José entendesse o que estava acontecendo: sua irmã mais nova, Ana (nome fictício), o acusara de estuprar o próprio sobrinho, um garoto de 5 anos. “Passei uma noite de cão na delegacia”, relembra seu José, um pedreiro de 56 anos. “Tentei dizer a verdade, mas ninguém queria me ouvir.”
Fiquei até de madrugada sendo humilhado pelos policiais. O delegado não quis falar comigo, só bateu o flagrante e mandou assinar. Colocaram um revólver na minha cabeça e disseram que se fosse o filho dele teria me matado Seu José, absolvido após 11 meses de prisão Depois de passar a madrugada sob “pressão na delegacia”, seu José foi levado para a audiência de custódia no dia seguinte. “Passei a noite de camiseta e bermuda. O meu chinelo quebrou e fiquei a audiência toda descalço”, diz.
Àquela altura sem advogado, seu José viu sua prisão ser convertida em preventiva (sem prazo) na audiência de custódia. Foi quando sentiu mais medo. “Perguntei se iam me jogar aos leões [em uma cadeia comum, onde estupradores sofrem violência]. Tentei argumentar com a juíza, mas nem me ouviu”, conta. “De lá, a polícia me levou para um veículo que por fora parecia uma ambulância. Dentro estava cheio de gente. Achei que ia morrer.” Entrei no carro e já falei da acusação, mas eles me disseram que para onde a gente estava indo todos eram acusados do mesmo.” Preso pouco antes do início da pandemia na Penitenciária José Parada Neto Guarulhos 1, na Grande São Paulo, seu José logo ficou sem as visitas do filho e de uma das irmãs.
“Irmã mentiu para ficar com a casa” Foram 11 meses na cadeia até que o advogado Gabriel Huberman Tyles entrou no caso pedindo para se encontrar com os outros quatro irmãos de seu José. “Descobrimos que a Ana tem essa mania de criar histórias, inclusive com boletim de ocorrência sobre falsa acusação contra outro irmão”, diz o advogado, que juntou os relatos ao processo.
“Acreditamos que ela inventou o estupro do filho para ficar com a propriedade da família”, afirma Tyles: Um terreno com seis metros de frente por 25 metros de fundo deixado pelos pais com uma casa para cada filho e um lava-rápido no térreo.
Além dos novos relatos, o menino foi ouvido em um “depoimento especial”, preparado de forma lúdica para que a criança responda sem se sentir pressionada.
Diante das evidências, não só a defesa de seu José pediu a absolvição, como também a promotoria responsável pela acusação e a advogada de Ana, que justificou o segredo de Justiça do processo para não conversar com o UOL. Procurada, Ana também se recusou a falar. A sentença veio no último dia 31 de março. Segundo a juíza, “não existiu nenhuma prática delitiva, ficando muito claro o esforço que a mãe da vítima fez para atribuir a conduta criminosa ao réu”.
Seu José conta que a irmã “sempre foi problemática, teve problema com a família inteira”. “Até agora não voltei para casa”, diz o pedreiro. “Ela quebrou tudo: meu banheiro, tanque, lavanderia. Agora estou morando de favor na casa de outra irmã.” O advogado diz que seu cliente “ficou com uma mancha” entre os vizinhos ao lembrar que “notícia de estupro se espalha rápido, mas a de absolvição não tem a mesma velocidade”.
“Fui inocentado, mas tenho uma mágoa grande no coração porque não merecia ser acusado de uma coisa dessas. Queria que fosse passado, mas ainda estou vivendo isso. Nem pra minha casa eu consegui voltar”.
com informações do UOL