Treinador de muay thai é indiciado por importunação e assédio sexual contra quatro alunas adolescentes

Um treinador de muay thai está sendo indiciado pelos crimes de importunação e assédio sexual praticados contra quatro de suas alunas, entre os anos de 2015 e 2018. De acordo com as investigações da 5ª DP (Mem de Sá), Edson Souza levava as adolescentes de roupas íntimas para pesagem em uma sala vazia da academia Art Fighters, na Lapa, da qual é sócio e fundador. Lá, realizava toques libidinosos durante sessões de massagens, esfregava o pênis em seus corpos, relatava ter sonhos eróticos com elas, fazia propostas sexuais explícitas e ainda solicitava fotos das meninas nuas.

No relatório final do inquérito, ao qual O GLOBO teve acesso com exclusividade, o delegado Bruno Gilabert, titular da 5ª DP, garante que o padrão comportamental do criminoso é “induvidoso”: Edson “prevalecia-se da ascendência que mantinha sobre as atletas para buscar a satisfação de sua libido, constrangendo-as ou importunando-as”. Apesar de testemunhas terem narrado “circunstâncias periféricas dos fatos em apuração”, “o molestamento ocorria
sempre e exclusivamente entre autor e vítima, sem exposição do ato a terceiros”, destaca o documento.

Campeã mundial de muay thai, Fernanda Santos Ávila Rigueiro Barbosa, que atualmente tem 18 anos, foi a primeira jovem a procurar a delegacia. Ela foi aluna de Edson dos 12 aos 15 anos, chegando a passar mais de oito horas por dia em sua academia. Em depoimento, a atleta contou que, em outubro de 2018, durante a quarta sessão de massagem, ele se aproximou de sua genitália, nádegas e lateral dos seios e ficou com pênis ereto. Na ocasião, ela diz ter chorado e o professor, então, teria “atenuado o comportamento”, afirmando que apenas queria testar a vítima, pois outra pessoa poderia tentar fazer o mesmo com ela.

“Treinávamos de domingo a domingo, o que acabou gerando uma relação de muita proximidade e confiança. Com o tempo, fui percebendo, ao ganhar mais corpo, algumas maldades desnecessárias e constrangedoras. Fiquei desolada e decidi largar o esporte. Mas tudo que vivi continuava me traumatizando e eu senti que precisava tomar uma providência, não só em relação a mim, mas também por todas que sofrem caladas nesse tipo de situação”, ressaltou Fernanda.

Na distrital, Yasmin Veiga da Cunha, que frequentou a academia entre 2015 e 2017, quando tinha 16 e 17 anos, contou que, ao fazer agachamentos, Edson se aproveitava para encostar em suas nádegas, a fim de que ela sentisse seu pênis ereto. Ela relatou se sentir amedrontada à época, pois ele era “seu mestre”: “Por ser nova e ele ser meu treinador, cheguei a achar que os comportamentos que ele tinha eram brincadeiras, mas hoje tenho certeza de que isso é crime e quem o pratica tem que ser punido”

Clara Aguiar, que começou a treinar no local aos 17 anos, em 2015, narrou que ele lhe enviou mensagens pelo WhatsApp pedindo fotos nua e afirmando que se masturbava pensando nela. “Saber que não era a única vítima me encorajou a denunciar. Espero que outras mulheres que passaram por isso também procurem uma delegacia. A verdade há de prevalecer, e a Justiça será feita”

Já a quarta adolescente disse que, em uma ocasião, entre os anos de 2015 e 2017, Edson perguntou se ela era virgem e se seu namorado já lhe fizera chegar ao orgasmo. O treinador teria afirmado ainda ter sonhos eróticos com a vítima e que se masturbava pensando nela, passando, em seguida, a encenar as posições sexuais que gostaria de realizar com a jovem na academia. Disse também que prestava atenção no formato de sua vagina, a ponto de ter que ir ao banheiro da academia se masturbar toda vez que ela chegava no local. A moça contou sentir medo de ser obrigada a interromper seus treinos caso revelasse o assédio, pois mantinha uma relação de subordinação para com Edson.

“É importante ressaltar que o crime de importunação sexual não pressupõe a existência de violência ou grave ameaça. Ainda que a vítima não seja efetivamente violentada, o simples fato de o autor praticar um ato libidinoso sem autorização já é uma atitude criminosa por si só. Já o assédio sexual pressupõe que o autor tenha sobre a vítima algum tipo de poder, decorrente de superioridade hierárquica ou ascendência, e busque por um favorecimento sexual. Além disso, é importante frisar também que, mesmo que a vítima tenha sofrido algum crime contra sua dignidade sexual na infância ou adolescência, ela pode procurar a polícia tão logo complete 18 anos sem a preocupação com a prescrição, já que uma modificação recente na lei penal permite que a maturidade auxilie na compreensão e na hora da tomada de decisão”, explica o delegado Bruno Gilaberte.

A defesa de Edson informou que a a “comunidade das artes marciais” recebe com “surpresa e indignação a notícia de seu indiciamento”. “As comunicações dos supostos delitos ocorreram mais de três anos após os alegados episódios. Uma das supostas vítimas participava normalmente dos treinos até maio de 2021. Não veio aos autos nenhum print das alegadas conversas inapropriadas. A única testemunha indicada pelas vítimas, ao ser intimado,
negou ter presenciado qualquer comentário ou comportamento suspeito”, diz em nota enviada.

A defesa alegou ainda que a expectativa é que o Ministério Público arquive o caso por falta de provas. “No entanto, se os fatos forem levados à Justiça, muitos outro(a)s aluno(a)s e professores que conviviam no mesmo ambiente de treinamento poderão testemunhar acerca do comportamento irrepreensível do professor. Aliás, são mais de 20 anos consagrados ao esporte, vale dizer, muitos deles, como formador de atletas para competições de nível internacional, sem que nunca, jamais, em tempo algum tivesse seu nome ventilado como alguém que abusava da sua posição. Muito pelo contrário”.

“O mestre Edson sempre se destacou na formação de crianças e jovens na comunidade onde mora tendo, por exemplo, a iniciativa de aparelhar um centro de treinamento popular para crianças de 6 a 12 anos”, ressaltou a defesa, afirmando que Edson está à disposição das autoridades para prestar qualquer esclarecimento.

Os crimes de importunação sexual e assédio sexual têm penas de um a cinco anos de reclusão, que pode ser majorada por Edson ter autoridade sobre as vítimas, e de um a dois anos de detenção, respectivamente. O inquérito agora será enviado ao Ministério Público, que poderá oferecer ou não denúncia contra o treinador à Justiça.

 

matéria especial do jornal O Globo

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