Em janeiro de 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) sancionou a Lei do Planejamento Familiar. A legislação estabelece, em seus pontos mais polêmicos, que somente é permitida a esterilização voluntária em casos de homens e mulheres maiores de 25 anos ou com pelo menos dois filhos vivos. O texto também determina que, caso o indivíduo seja casado, a esterilização depende do consentimento expresso do cônjuge. Ao levantar a discussão sobre os limites da interferência do Estado no planejamento familiar, a lei foi contestada em ações movidas pelo PSB e pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep). A controvérsia deverá ser finalmente examinada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em 9 de dezembro.
Os dois casos estão sob a relatoria do ministro Kassio Nunes Marques, considerado de perfil conservador. O julgamento conjunto das ações deverá ser um dos mais delicados da chamada “pauta de costumes” durante a presidência de Luiz Fux, que tem evitado pautar assuntos polêmicos de impacto social, como a descriminalização do aborto e da maconha. Caso tenha o nome aprovado pelo Senado Federal para assumir a vaga de Marco Aurélio Mello, o advogado-geral da União e “terrivelmente evangélico”, André Mendonça, também deve participar da discussão, o que pode transformar essa discussão num grande circo.
Para o PSB, não cabe ao Poder Público se intrometer em questões individuais sobre fertilidade e reprodução, “sendo essa interferência marca típica de regimes antidemocráticos”. Na avaliação da legenda, de oposição ao governo Jair Bolsonaro, o texto sancionado por FHC viola o princípio da dignidade da pessoa humana, a liberdade indivíduo e o direito à autonomia privada. Em parecer enviado ao Supremo em agosto do ano passado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, concordou com as alegações trazidas pelo partido.
Aras apontou que, embora o consentimento expresso do cônjuge seja exigido para todos, independentemente do sexo, na prática as exigências impactam mais as mulheres, principalmente as de baixa renda. A lei prevê a esterilização por meio de laqueadura, vasectomia ou “outro método cientificamente aceito”.
Para o advogado Rafael Carneiro, que assina a ação do PSB, condicionar decisões sobre os direitos reprodutivos à autorização do cônjuge pode significar, na prática, a falta de controle das mulheres sobre o próprio corpo — e a própria vida. “Essa ação leva ao Supremo uma questão gravíssima: a situação de mulheres que, expostas a gestações indesejadas, são obrigadas a arcar, muitas vezes sozinhas, com todas as consequências de cunho psicológico, econômico e social daí advindas. Essas mulheres não podem decidir sozinhas o que fazer com o próprio corpo, ou seja, se querem ou não ter filhos?”, questiona.
da revista Veja