Uma bebê recém-nascida foi encontrada numa calçada, no Distrito Mecânico, bairro do Varadouro, região central de João Pessoa. Segundo a Polícia Militar, a criança foi localizada por uma moradora da região por volta das 15h dessa segunda-feira (23).
De acordo com o juiz da Vara da Infância, Adhailton Lacet, a moradora acionou o Conselho Tutelar, órgão para o qual o bebê foi entregue, sendo direcionado em seguida para avaliação do estado de saúde em um hospital de João Pessoa, que deve emitir um laudo ainda nesta terça-feira (24) sobre o quadro clínico.
“A criança será acolhida e deverá ser inscrita no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento”, afirmou Adhailton Lacet.
Situações de abandono como a da recém nascida de João Pessoa acontecem pelo menos oito vezes por dia em todo o Brasil, segundo dados do SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento) e disponibilizados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a Universa após pedido via Lei de Acesso à Informação. De acordo com o artigo 134 do Código Penal, o responsável por abandonar uma criança pode receber uma pena de detenção de 6 meses a 3 anos.
De 2015 a julho de 2021, de acordo com dados obtidos com exclusividade pela reportagem, 18,7 mil crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos deram entrada em serviços de acolhimento com o motivo “abandono pelos pais ou responsáveis”. Ao todo, o país tem hoje 29,2 mil crianças e adolescentes em 4.594 locais como esse.
O acolhimento de uma criança ou adolescente é determinado pela Vara da Infância e da Juventude e solicitado pelo Conselho Tutelar em ocasiões como abandono, morte dos pais, violência, situação de rua, entre outros cenários que colocam essas pessoas em perigo.
Toda vez que um menor é retirado de onde vive e colocado em um serviço de acolhimento, é preciso preencher uma guia com dados como o motivo da institucionalização, explica Isabely Fontana da Mota, subcoordenadora do Grupo de Trabalho de Gestão dos Sistemas e Cadastros do CNJ.
Ela atenta, porém, que quando não se sabe o motivo ou a razão do acolhimento, utilizam-se com mais frequência os termos negligência e abandono. “Depende da interpretação de cada juiz. Alguns motivos de acolhimento são mais fáceis de identificar, como suspeita de abuso e orfandade”, diz Isabely.
“Quando falamos em acolhimento, estamos falando de crianças pobres”
“As situações de abandono mais comuns são bebês encontrados até no lixo, ou crianças e adolescentes andando nas ruas depois de fugir de casa. Até localizarmos os pais, a gente coloca em acolhimento. Às vezes, os pais deixam em hospitais crianças que têm graves problemas de saúde”, explica a juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso de Campo Grande (MS).
Além dessas formas de abandono listadas por Katy, outros principais motivos que levam uma criança ao acolhimento são a negligência, a violência e a perda de capacidade dos responsáveis de cuidar, por uso de substâncias psicoativas, por exemplo.
“O que leva ao acolhimento, em geral, é a falta de políticas públicas na área social. Pela lei, a criança é acolhida em situação de risco como fome, ou quando o responsável está em situação de droga. Então, quando falamos em acolhimento, estamos falando de crianças pobres.” diz Iberê de Castro Dias, juiz titular da Vara da Infância e Juventude de Guarulhos (SP) e assessor da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.
Iberê reforça o papel do estado com essas famílias. “Tudo do que vamos tratar decorre de políticas públicas”, diz. “Muitos culpabilizam a mãe pelo abandono, uma mulher que muitas vezes nunca foi ensinada a cuidar. Esse é um dos papéis do estado“, afirma. Ele ainda lembra que, em famílias ricas, também acontece o abandono. Quase sempre, de cunho afetivo — questões que vão parar nos divãs terapêuticos.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) determina que o acolhimento institucional seja uma medida protetiva excepcional e provisória. A partir do momento em que a criança e o adolescente são acolhidos, a prioridade é que eles retornem para o seu lar, ou morem com quem tenham algum vínculo. A busca por essa chamada família extensa deve ser feita num prazo máximo de 90 dias.
Esgotadas essas possibilidades, e percebendo que não há condições para que essa pessoa acolhida retorne para sua casa, ela entra na fila de adoção, tema abordado na segunda reportagem dessa série sobre abandono, acolhimento e adoção.
Pandemia reduziu acolhimento, mas isso não é boa notícia
Pelos dados do CNJ, percebe-se uma redução de cerca de 15% de acolhimento de crianças abandonadas entre 2019 e 2020, ano em que o mundo foi atingido pela pandemia da covid-19. Mas a juíza Katy Braun do Prado observa que essa diminuição não aconteceu porque as crianças passaram a ser bem cuidadas:
“As escolas são parceiras para descobrir violação de direitos humanos e o afastamento de crianças desses lugares tirou essa fonte importante de fiscalização. Com o retorno gradativo, a gente já está recebendo novas denúncias. Aqui em Campo Grande, na primeira semana de aula, seis crianças revelaram abuso.”
A pandemia trouxe dificuldade em fiscalizar situações de risco como o de abuso, por exemplo. Investir na restauração das famílias e do ambiente social é fundamental para reduzir esses números.
“Enquanto continuarmos a apagar incêndios, vamos falar sobre isso em 2030. Estamos descendo a ladeira. Tenho dificuldade de enxergar um cenário de melhora”, lamenta Iberê Dias.
Como denunciar
Se uma pessoa tem notícia de algum fato que coloque alguma criança em risco, deve denunciar à Vara da Infância, ao Ministério Público ou ao Conselho Tutelar que atua na região. É possível também fazer uma denúncia anônima, pelo telefone 180, do Governo Federal. Nesse link você encontra todos os contatos dos Conselhos Tutelares de João Pessoa.
Da redação, com informações do Portal Correio e do portal Universa
Leia mais:
Doação Legal: a lei da adoção e o velho despreparo de onde deveria vir acolhimento