Após uma longa caminhada iniciada ainda em 2019, foi mantido o veto ao projeto de Lei que institui o Programa Menstruação Sem Tabu, de autoria da deputada estadual Estela Bezerra.
Apresentado à Assembleia no ano de 2019, o projeto recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça em dezembro de 2020 e em fevereiro de 2021, foi aprovado na Comissão da Mulher da ALPB. Enviado ao Plenário no mês de março, o projeto foi aprovado por unanimidade.
Contudo, na contramão da garantia dos direitos de meninas, mulheres e homens trans, o Governo do estado optou por não sancionar a lei. Vetou o Projeto integralmente, com a justificativa de que seria de competência exclusiva do poder executivo, por tratar criar novas despesas ao executivo, tendo assim, vício de iniciativa. Justificativa confrontada pela deputada e outros parlamentares, ao demonstrarem que o PL 1436/2019 não trata de nenhuma matéria privativa, vez que contempla as responsabilidades já abarcadas pelo Poder Executivo, vindo tão somente para regulamentá-lo.
Desde então, teve início uma grande mobilização social protagonizada pela sociedade civil, que reuniu movimentos sociais, entidades, coletivos de mulheres, ativistas da educação e dos direitos de crianças e adolescentes, estudantes, professoras e advogadas, que se uniram em defesa da dignidade menstrual de meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Após dois pedidos de vistas na Comissão de Constituição e Justiça e de intensos debates na Casa, o veto ao projeto foi mantido, com apenas 3 votos de diferença, demonstrando que a participação social conseguiu gerar o debate e expressar a relevância do tema e a necessidade de garantia do direito por meio de políticas públicas, obtendo o compromisso de 14 deputadas e deputados, que votaram pela derrubada do veto.
Apesar de ter vetado o Projeto no mês de abril, o debate em torno do tema e a pressão popular levou o Governo do Estado a apresentar um projeto semelhante, esse aprovado hoje pela Casa.
Mesmo com a manutenção do veto, Estela Bezerra parabenizou e agradeceu os movimentos de mulheres, crianças e adolescentes, juventudes, ativistas da educação, categorias profissionais. “Esses movimentos conseguiram mais do que incomodar as redes sociais de alguns poucos deputados que sentiram ofendidos, conseguiram de fato a modificação da postura do governo que vetou o projeto no mês de abril, mandou para ALPB em 15 de junho e só se pronunciou que mandaria um projeto no mesmo sentido depois da pressão social”.
Para Sarah Hewanny, do Projeto Lotus – que atua em Campina Grande na defesa dos direitos reprodutivos e da dignidade menstrual das mulheres, o veto ao projeto da deputada Estela Bezerra e a consequente apresentação do projeto do Governo do Estado, possui um viés misógino. “Infelizmente, esse tipo de manobra política possui raiz misógina, quando o objetivo principal é silenciar mulheres que falam por e para muitas outras. A violência política não está distante de nós”.
A opinião é compartilhada por Fernanda França, professora, pesquisadora de gênero, dirigente sindical do SINTEP-PB e criadora do canal e podcast ‘Acorda, Maria Bonita!’. Ela considera, no mínimo, confuso. “Um governo que veta um projeto que vem atender as pessoas que menstruam e apresenta outro com o mesmo teor… Para mim, não há dúvidas que essa atitude é resultado da pressão de todas as pessoas que estiveram juntas nessa mobilização”.
Mônica Lemos, advogada e ativista dos direitos das mulheres, entende que a vaidade se sobrepôs ao interesse coletivo. “Para quem está assistindo de forma desvinculada de paixões partidárias, de quem fala sem qualquer compromisso político com quaisquer das partes, mas um compromisso sim na defesa das mulheres, em especial, àquelas mais vulneráveis, é que fora instaurada uma disputa para que seja eleito o ‘pai da criança’, quando na realidade, o projeto originário estava para ser apreciado desde 12/2019”
O projeto de lei também contou com a defesa dos parlamentares.
A deputada Jane Panta reconhece que o Governo do Estado apenas repercutiu um tema que foi proposto por Estela. “Estela foi uma guerreira nesse projeto e o mérito é dela. Não estamos aqui querendo tirar o brilho de ninguém. Toda estrela brilha por sua independência, e esse brilho é dela”.
Para o deputado Anderson Monteiro, o debate sobre a inconstitucionalidade não se sustenta. “Diversas interpretações do STF garantem a constitucionalidade de leis como a da deputada Estela. Cabe a nós, enquanto parlamentares, adotarmos a interpretação que ajuda, enaltece e fortalece o protagonismo das Casas Parlamentares, ou a interpretação que nos rebaixa nos coloca como agentes secundários na diretriz de políticas públicas?”, questionou o parlamentar.
Cida Ramos salientou que foi a partir do projeto de Estela que a sociedade tomou para si a discussão. “A realidade aqui senhores, e é bom que o povo da Paraíba saiba, é que o governo se viu na obrigação de apresentar um novo projeto a partir da pressão popular. Não existe problema de mérito, o problema está em não reconhecer a quem levantou a pauta.”, disse a deputada.
A deputada Camila Toscano salientou a propriedade e o conhecimento de Estela sobre o assunto. “Estela deu uma aula sobre planejamento e sobre orçamento, falando inclusive que o Estado já possui a previsão orçamentária para aquisição de absorventes. As mulheres da Paraíba merecem sua dignidade, e a deputada Estela tem o nosso reconhecimento por esse projeto”, finalizou.
Estela agradeceu o apoio dos colegas parlamentes por compreenderem a relevância do projeto. “Entendi que houve todo um esforço porque havia até vergonha em ter que vetar o projeto sob a pressão do governo.”
A conclusão unânime, tanto da Casa Legislativa quanto dos movimentos que se envolveram com a pauta, é que o mérito cabe ao projeto apresentado pela deputada Estela Bezerra. Não só pelo projeto, mas por ter levantado a discussão de um tema de tamanha importância.
Talita acredita que apesar das manobras para desfazer do mérito do projeto, podem se considerar vitoriosas. “Conseguimos colocar em pauta e dar visibilidade a um problema enfrentado, já a muito tempo, pelas pessoas que menstruam e precisam enfrentar a pobreza menstrual até hoje sem nenhum amparo”.
Fernanda França salienta que o debate foi imprescindível. “Trouxe a luz um problema a muito tempo enfrentado pelas pessoas que menstruam em nosso estado mas que nunca havia sido colocado em questão. Sem dúvidas, o projeto da deputada Estela criou um espaço de discussão sobre a pobreza menstrual que aflige as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade. Assim, mesmo com o governo querendo retirar o mérito do projeto, é uma vitória nossa. É uma vitória das mulheres do nosso estado representadas na deputada Estela”, concluiu.
“Para mim é um dia de festa, vou continuar defendendo o protagonismo do legislativo, porque é próprio do Legislativo construir os pactos sociais através de leis e do Executivo cumpri-los. Vamos continuar trabalhando para fazer as mobilizações necessárias para que a lei se transforme em realidade e garanta a dignidade menstrual de meninas, mulheres e homens trans”, finalizou Estela.