Museu Bajubá se dedica a preservar, organizar e difundir a memória dos territórios da população LGBTI+

By 31 de agosto de 2021Brasil, Fora do Armário

Exposição inaugural presta homenagem a João do Rio, cronista racializado e homossexual que foi pioneiro na imprensa brasileira do início do século XX

A quem interessa uma nação sem memória? Como o Brasil se tornou o país onde mais se matam pessoas LGBTI+? Ter clareza sobre o passado é uma forma de compreender o local em que vivemos. Como ferramenta desse processo, surge o Museu Bajubá, um espaço que tem como missão atuar na preservação da memória e do patrimônio histórico e cultural da população LGBTI+. Todo o acervo está disponível online e gratuitamente para consulta no endereço museubajuba.org

Com o intuito de minimizar apagamentos das vivências LGBTI+ promovidos ao longo de décadas, o Museu Bajubá se dedica a reunir, organizar e difundir conteúdo documental, socioeconômico e cultural de toda a diversidade sexual e de gênero que envolve pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexo, entre outras.

O Museu Bajubá é uma iniciativa da historiadora e pesquisadora Rita Colaço, especialista em memória LGBTI+ e doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). São cofundadores os pesquisadores Luiz Morando e Remom Matheus Bortolozzi, também especializados em memória LGBTI+ brasileira.

Exposição inaugural: “Cintilando e causando frisson – 140 anos de João do Rio”

O Museu Bajubá inaugura sua programação com a exposição “Cintilando e causando frisson – 140 anos de João do Rio”. A iniciativa presta homenagem ao jornalista racializado e homossexual, morto há exatos 100 anos, que foi pioneiro na imprensa brasileira do início do século XX. João do Rio foi um repórter homossexual que se dedicava com profundidade, em suas crônicas sociais, a registrar as transformações urbanas. Alguns de seus textos abordam as vivências e locais de sociabilidade de pessoas que vivenciavam sexualidades fora do padrão daquela época.

 mostra é dividida em 10 eixos temáticos que somam cerca de 90 imagens. Elas abordam recortes como transformações urbanas, produção literária, atuação na ABL, momentos importantes da vida do autor e também sua morte. A exposição segue disponível até o dia 26 de novembro.

O autor, repórter e cronista João do Rio

As transformações urbanas e a desigualdade social estavam sempre sob o olhar atento do jornalista, um dos primeiros profissionais de imprensa a sair da redação e embrenhar-se em meio ao calor dos acontecimentos. Ele denunciou a violência policial, a exploração sexual de crianças e mulheres, as péssimas condições trabalhistas, bem como defendeu a greve de pescadores, dos taxistas e de menores trabalhadores na indústria têxtil. Para Luiz Morando, a importância de João do Rio compreende várias camadas. “Ele foi um dos criadores da crônica jornalística moderna. Tinha um olhar etnográfico e antropológico, era muito aguçado e perspicaz. Era uma pessoa muito sensível e à frente de seu tempo”, avalia.

Na sociedade carioca do início do século XX, o jornalista era considerado alguém fora da norma vigente – era racializado, homossexual, afeminado e obeso. Com esse perfil, foi vítima de provocações e ofensas por parte da intelectualidade da época. “Eles o inferiorizavam e humilhavam, diziam que ele tinha modos afrescalhados”, informa Morando. Obstinado e talentoso, sua entrada na Academia Brasileira de Letras (ABL) só foi aceita após a terceira tentativa, aos 29 anos de idade. Sua morte, em 23 de junho de 1921, foi um acontecimento. Segundo relatos da imprensa, cerca de cem mil pessoas acompanharam o cortejo do funeral, numa época em que a população do Rio de Janeiro não passava de 800 mil habitantes.

O Museu Bajubá

Ainda há poucas pesquisas sobre memória LGBTI+ no Brasil, especialmente com relação aos registros e mapeamentos sobre vivências entre pessoas de sexo e gêneros considerados dissidentes em tempos anteriores. Partindo dessa origem, iniciativas de preservação dessa memória, além da garantia à memória propriamente dita, são ações fundamentais para um grupo social que ainda é vítima do conservadorismo vigente.

Entre esses caminhos de memória constam territórios nas grandes e médias cidades brasileiras que há décadas serviram de ponto de convergência e sociabilidade da população hoje chamada LGBTI+, mas que não tiveram reconhecimento justo enquanto local de convivência e mobilização. São parques, praças, ruas, avenidas, bares e galerias que tiveram papel central na formação da identidade sexual de lésbicas, gays e travestis de épocas passadas. “São momentos e lugares que ficaram sem registro. O resgate e a preservação dessas histórias e narrativas é algo importante”, opina Morando.

A promoção da cidadania cultural da população LGBTI+ e a educação sobre diversidade é um dos objetivos centrais do Museu Bajubá. Neste primeiro momento, o museu tem se dedicado ao resgate das memórias vivenciadas e dos territórios constituídos nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte.

da assessoria

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