A produção acadêmica das mulheres paraibanas nos enche de orgulho.
Uma pesquisadora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) desenvolveu um aplicativo que calcula a possibilidade de uma mulher sofrer violência doméstica. O software VCMulher foi elaborado a partir de dois questionários da OMS (Organização Mundial da Saúde) e um inquérito domiciliar e será destinado a ajudar profissionais da saúde básica a reconhecer vítimas de violência, mesmo que elas não se declarem como tal.
A ideia surgiu durante o doutorado de Layza Deininger no programa de pós-graduação em modelos de decisão e saúde. “A gente percebeu que a atenção básica é o serviço que está mais próximo das mulheres. Muitos profissionais são formados no modelo biomédico, que só observa sintomas: ou seja, o olho roxo, o braço machucado. E não veem o que está por trás disso”, diz Layza. “Fiz essa pesquisa qualitativa, e muitos disseram que não têm preparo para isso. Alguns até disseram que não achavam importante.”
O aplicativo está em fase de desenvolvimento e, após cortes no financiamento de pesquisas, está sendo bancado pelo bolso da própria pesquisadora e ainda não tem previsão de lançamento. Enquanto isso, o questionário está no ar no site do projeto. Baseado em informações sobre qualidade de vida e violência psicológica, física e sexual por parceiros íntimos contra mulheres, ele apresenta a probabilidade de uma mulher sofrer violência doméstica e é dividido em três categorias: baixa, média ou alta.
Se o risco for baixo, o profissional da saúde pode orientar a paciente com informações relevantes, “como observar situações de violência e instruir essa mulher a se empoderar”, explica a pesquisadora. “Para risco médio, já é preciso ficar mais de olho, sugerir que a mulher busque serviços de atendimento, se necessário. No risco alto, é aconselhável dar todo o leque de informações para aquela mulher, como o endereço de uma delegacia da mulher.”
O objetivo é que o profissional de saúde possa enxergar a violência que muitas vezes a mulher que é vítima não quer ver. “Muita mulher nega que sofre violência, por vários motivos. Medo, vergonha do que a sociedade vai achar… Uma sociedade altamente machista e misógina. Por esse motivo, a gente quer dar esse instrumento ao profissional da atenção básica”, diz enquanto reforça a importância desse atendimento por conta do aumento de casos de violência contra a mulher durante a pandemia da covid-19.
Layza, que é professora do curso de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba e da Faculdade de Medicina Nova Esperança, conta que sofreu violência doméstica quando criança e isso sempre influenciou sua atuação na área da saúde, como enfermeira e especialista em enfermagem do trabalho.
“Acho que foi por isso que eu enveredei por essa área. Por ver [a violência] em casa, sempre busquei traçar caminhos
diferentes, enfrentar esse tipo de situação. Precisamos mostrar o que nos aflige, falar mais e dar mais visibilidade a esse tema.”
A ginecologista e coordenadora médica do Instituto Justiça de Saia Camilla Pinheiro de Barros, de São Paulo, reforça que toda ajuda é bem-vinda para identificar esse tipo de violência. São situações que ela descreve como sutis, em muitos casos, e que precisam de atenção reforçada dos profissionais da saúde para entender que, por trás de uma dor física ou de uma doença, pode estar algum tipo abuso.
“Em um primeiro momento, a paciente conta uma situação e nem percebe, não sabe nem descrever que aquilo é uma violência. Ela tem muito sono, engorda muito rápido ou emagrece muito, vai repetidamente ao médico ou abandona um tratamento muito importante”, exemplifica.
A criadora do projeto lembra que não basta identificar os casos e fazer o encaminhamento para o serviço necessário. As gestões das redes de saúde precisam investir na qualificação dos profissionais para que estes entendam que a violência contra a mulher é um problema de saúde pública.
“A mulher que sofre violência, seja psicológica, física, moral, patrimonial ou sexual é aquela mulher que vai estar recorrendo sempre aos serviços de saúde: com dor de cabeça, dor nas costas, problemas vaginais, problemas estomacais. Os índices de ansiedade e depressão também aumentam constantemente”, diz Layza.
O questionário continua em fase de aprimoramento, para gerar resultados cada vez mais precisos.
Sobre os planos para o aplicativo, Layza diz que também está pensando nas comunidades que não possuem conexão com internet. Os resultados ficarão salvos no app e, quando o telefone do médico se reconectar com a internet, serão enviados ao banco de dados da pesquisadora.
da redação, com informações da assessoria UFPB