A confeiteira Juliana Kulpa, de 25 anos, foi pega de surpresa ao abrir a caixa de correspondências de seu apartamento e encontrar um bilhete de uma vizinha, que pedia para que ela parasse de transitar em sua própria residência usando apenas sutiã. “Somos evangélicos e meu marido fica em casa em home office. Tenha decência”, diz a mensagem. O caso ocorreu em Osasco, na Grande São Paulo, há cerca de 20 dias e vem pautando debate — e gerando indignação — nas redes sociais.
Juliana conta não ter o costume de andar de sutiã no imóvel e acredita que a vizinha a tenha visto com um top e shorts de academia. “Eu imagino que tenha sido no dia que eu fui fazer uma caminhada e, em seguida, fiz uma faxina”, afirma.
O fato por si só já é de uma afronta sem tamanho. Juliana está em casa e tem o direito de andar pelada, se ela quiser. Já falamos aqui sobre outras situações em que mulheres foram constrangidas por vizinhos por usar determinada vestimenta, mas hoje o foco é outro: o incrível caso das esposas que protegem os maridos das garras maquiavélicas de outras mulheres.
Sim, porque o alecrim dourado é incapaz de se proteger. Esses homens não possuem discernimento ou força suficientes para se livrarem sozinhos, das tentações. A moral e a ética dos homens de bem são solapadas com a vestimenta/atitude de uma mulher diabólica que está ali com o único intuito de destruir a integridade de um lar verdadeiramente cristão.
Esse último parágrafo contém altas doses de ironia e deboche. Mas as redes sociais estão cheias de vídeos com cenas humilhantes de mulheres saindo na tapa por conta disso e atire a primeira pedra a Maria Madalena que não tenha presenciado situações em que a mulher traída culpa a amante pelo “desvio” do marido, aquele coitado.
Perguntamos às leitoras do Paraíba Feminina o que elas acham dessas situações.
“Eu acho que tem a ver com o fato delas saberem que não vão deixá-lo por causa disso. Aí achando outra culpada , elas enganam elas mesmas na hora de achar justificativa pra perdoar o macho”
” É competição. Transferência da raiva que seria do homem, para a mulher. Ele se interessou por outra, mas a “culpa” não é dele“.
“Minha teoria, elas até culpam o cara, mas o sentido que eu acho que é a competição. Fora que lá no fundo existe o machismo enrustido”
“Minha opinião? Nua e crua? Elas não atacam o ômi, pra não perder o macho”
“Existem algumas mulheres que chegam ao crime de deixar o companheiro abusar da filha pra não perder o cara. Então bater em outra mulher é o de menos”
“Tem uma questão cultural. Somos preparadas pra competir com outras mulheres. É como se os machos ficassem num palanque vendo as mulheres brigando por eles”
“Quando a gente ‘ama’ alguém, é natural partir pra o ataque, atacar alguém que ameaça isso. Por isso precisamos trazer para o racional, refletir e quebrar esse ciclo de competição”
“Também tem a questão da auto estima baixa e insegurança. Agindo assim, ela encontra uma justificativa pra poder continuar com aquele homem”
“Eu acho que é culpa do machismo, incluindo as mulheres machistas”
“E existe a questão da posse né, a mulher não aceita que outras cheguem perto e apela para agressão como intimidação”
“Porque a sociedade é machista e sendo assim é mais fácil culpar outra mulher que o macho”
“Talvez porque a dependência emocional é tão grande que ela prefere acreditar que isso tá ligado a outra mulher em vez de enxergar que ele não gosta dela”
“Outro ponto é que culturalmente a gente é educada para perdoar, silenciar… Se não a gente é histérica, maluca...”
Conversamos ainda com a psicóloga e sexóloga Danielle Azevedo (@danielleazevedopsi) sobre esse fenômeno e ela aponta algumas questões primordiais:
“A primeira questão seria a maneira como está progredindo esse relacionamento. Se tem algum histórico de instabilidade, se é um relacionamento de frustrações e traições, traumas ou conflitos. Quando existem essas lacunas, as parceiras desenvolvem algumas características de comportamento que podem se estender para para terceiros.”
No caso do bilhete, a situação se estendeu para vizinha. Por mais que ela não faça parte da relação, ela passou a fazer a partir do momento em que ela se transformou num fantasma, em decorrência de uma projeção de um comportamento que poderia ter acontecido, ou que esteja acontecendo: esse marido já pode ter traído a esposa e o comportamento da vizinha, mesmo sem malícia ou intenção, provocou um gatilho.
Então é preciso ter cuidado com esse tipo de comportamento, pois ele expõe a relação, se perde o discernimento do que é normal e o que é patológico.
A segunda questão diz respeito à própria mulher. Como está sua auto estima? Ela se sente insegura? Qual o nível de confiança e comprometimento com ela mesma?
Quando uma mulher que você nem conhece representa uma ameaça, só demonstra que você pode estar tão traumatizada que fantasia situações – que podem sim ser reais, mas não com aquela mulher específica. Sem dúvidas ela já está passando por algum tipo de conflito que precisa ser cuidado.
Ela precisa lidar com essas questões, precisa lidar melhor com o auto cuidado e o auto conhecimento“.
Competição feminina; baixa auto estima; necessidade de posse; carência e dependência emocional. Todos esses componentes são responsáveis por esses comportamentos, mas eles se originam da mesma vertente: o machismo estrutural. Se você se enxergou em algum desses pontos, vale a pena procurar ajuda. A culpa não é sua e sim desse meio que a gente vive, e sempre é tempo de se libertar.
Sobre Juliana, lá do início da matéria, ela não recebeu mais bilhetes e garante que, além de não ter ficado intimidada, continuará mantendo seus hábitos na privacidade de seu lar. “Voltei a usar top, cropped; não fiquei nem um pouco desconfortável, pelo contrário. Estou dentro da minha casa. Vou e pretendo continuar usando“. Juliana não passa frio pois está coberta de razão.
E pra encerrar, fica a dica: