No início da pandemia, em 2020, os casos de assédio moral e sexual registrados no Tribunal Superior do Trabalho (TST) diminuíram, provavelmente, segundo especialistas, influenciados pelo medo do desemprego e pelas incertezas do momento. No entanto, novos dados do TST mostram que os registros de casos de assédio voltaram a crescer no País em 2021. De um lado, a diminuição de lucro nos negócios e a pressão por produtividade podem ter motivado o aumento no período. Por outro, a maior facilidade em se obter provas digitais e o aumento do nível de confiança dos trabalhadores em relação ao emprego também podem ter impulsionado a maior judicialização dos casos – e ainda há motivos para acreditar que eles são subnotificados.
Em 2021, foram registrados 3.049 processos de assédio sexual e 52.936 de assédio moral nas varas de trabalho pelo País, segundo dados do TST. Nos últimos seis anos, a maior queda, em ambos os tipos de assédio, ocorreu em 2018. Naquele ano, foram registrados cerca de um terço do total de casos de assédio moral do ano anterior e metade dos números de assédio sexual. Já em 2019, os números ensaiaram um aumento novamente, mas o primeiro ano da pandemia do coronavírus fez com que eles caíssem de novo, embora, dessa vez, uma queda menos acentuada (veja gráfico abaixo).
Para o TST, ambos os movimentos podem ser explicados pelo contexto legal e econômico do Brasil durante esses anos. “Com a Reforma Trabalhista de 2017, foi introduzido na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) o princípio da sucumbência, o que significa que a parte que perder total ou parcialmente a ação tem que pagar os honorários do advogado da parte contrária e as custas do processo”, explica a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). “O reclamante só vai ajuizar uma ação se tiver uma prova consistente. Ainda temos que considerar que, principalmente no caso do assédio sexual, por geralmente ocorrer entre duas pessoas, a prova é difícil de ser produzida.”
A leve elevação dos números em 2019, segundo a ministra, pode ter relação com o maior uso de provas digitais, como registros de celular, e-mail e redes sociais, que ajudam a embasar os casos. No entanto, a chegada da pandemia, em 2020, impôs mudanças econômicas para os trabalhadores brasileiros, o que pode ter impactado na queda de ações judiciais em torno do assédio.
“A pandemia deslocou o foco. No ano de 2020, preponderantemente as ações propostas envolveram questões próprias das rescisões contratuais, porque ocorreram muitas. Então, identificamos que as reclamações foram mais sobre pagamento de multa rescisória, férias e FGTS. Pela característica do período, as pessoas estavam mais preocupadas em ter e manter o trabalho”, diz a ministra.
Dados da consultoria de gestão de riscos e compliance ICTS Protiviti (que recebe denúncias em empresas) mostram que o distanciamento do home office não diminuiu os casos de assédio moral e sexual. De acordo com a empresa, no início de 2020, a quantidade de denúncias de assédio recebidas seguiam uma ordem crescente de aproximadamente 33%, comparado com o ano anterior. Em abril, no início da pandemia, os números caíram quase 50%, mas a queda durou pouco e as denúncias dispararam ainda no primeiro semestre.
Já em 2021, o mercado de trabalho mostrou sinais de recuperação, muitas empresas antes fechadas voltaram às suas atividades, as contratações cresceram e o regime presencial também apresentou uma retomada. Só no primeiro semestre, os relatos de assédio moral e sexual registraram a marca de 31 mil denúncias, em 347 empresas. O índice representa quase o triplo dos anos de 2019 e 2020, que, considerando os 12 meses do ano, atingiram as marcas de 12.349 e 12.529 casos. A empresa ainda não possui os dados referentes ao segundo semestre do ano passado.
Casos ainda são subnotificados
Ainda que os números tenham crescido, há a concordância entre os especialistas de que as denúncias nas próprias empresas ou em plataformas de compliance e, até mesmo, os registros em órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o próprio TST são subnotificados.
“Provar esse tipo de situação pode ser algo bem complexo, ainda mais quando estamos falando de crimes ocorridos dentro do ambiente de trabalho, em que as testemunhas, em sua maioria, trabalham no local e têm, obviamente, o receio de testemunhar e colocar seu emprego em risco. Por isso, é uma realidade bem presente o medo das vítimas denunciarem algum tipo de assédio, e se sentirem expostas, sofrerem represálias ou boicotes no ambiente de trabalho, tudo isso também impacta na quantidade de casos judicializados”, explica a advogada Luanda Pires, CEO da P2 Consultoria e vice-presidente do movimento Me Too Brasil.
O medo de denunciar aparece em uma pesquisa realizada pela consultoria Heach Recursos Humanos, com 400 pessoas. Entre os respondentes, 64% sofreram assédio no ambiente de trabalho em 2021, sendo 42% assédio moral, 20% assédio sexual e 38% ambos os tipos. No entanto, apenas 26% denunciaram. Para os 74% que não prestaram denúncias, os motivos se dividem em: crença de que a empresa não fará nada (42%), medo de perder o trabalho (31%), medo de retaliações (16%) e vergonha (7%).
A pesquisa também mostrou que a maior parte dos assédios cometidos dentro da empresa vem dos gestores (82%) e, entre aqueles cometidos no ambiente externo de trabalho, a maioria vem de clientes (74%), o que também influencia no medo de denunciar.
“Quem mais pratica assédio é o líder, o gestor. Além de ser a pessoa que teoricamente deveria passar mais confiança para o funcionário, também é a pessoa que replica a cultura na empresa. Ou seja, corremos o risco de criar uma cultura de assédio cada vez maior nas empresas”, comenta Elcio Paulo Teixeira, CEO da Heach.
Para o especialista, as principais razões para o aumento do assédio moral na pandemia são:
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a liderança autoritária (validada por um ambiente social polarizado)
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o aumento da pressão no trabalho (negócios fecharam, receitas caíram e a cobrança por produtividade aumentou)
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a própria desregulação emocional no período (pessoas perderam parentes e amigos para a covid-19)
Teixeira chama a atenção para o fato de que, segundo a pesquisa, os grupos minorizados são particularmente afetados pelos casos de assédio. Entre os que sofreram assédio, 60% são negros, 27% são homossexuais ou bissexuais e 50% são mulheres.
“Quanto utilizamos o dado científico para medir a população, no caso da população LGBTI+ a Escala de Kinsey, a gente sabe que ela classifica esse segmento como algo entre 10% e 15% na população. Ou seja, o dado de 27% sofrendo assédio sugere que essas populações são mais vulneráveis de alguma forma. No caso das mulheres, elas são 50% das que sofrem assédio no trabalho, mas são 45,8% do mercado formal.