Em Campina Grande, falso guru abusa sexualmente de mulheres com promessa de ‘cura espiritual’

Um homem idoso, de estatura um pouco alta, educado, articulado e que consegue ‘adivinhar’ seus sentimentos. Meninas que estão passando por períodos de perda, situações delicadas e com a saúde mental fragilizada. O combo perfeito para uma série de assédios e abusos que vem ocorrendo em Campina Grande desde 2012 de acordo com o relato mais antigo, e que continua acontecendo na cidade.

Conversamos com 3 vítimas e tivemos acesso a pelo menos 5 depoimentos que comprovam a mesma abordagem e as mesmas características.

Imagine que você está numa parada de ônibus, ou indo pra algum lugar. De repente, um carro modelo sedã, de cor escura, para do seu lado e um senhor aparentemente inofensivo te pede informações sobre como chegar a um determinado lugar, e te oferece carona. No caminho, ele começa a falar coisas que só você sabe: suas angústias, seus medos, seus problemas atuais. Diante de tantas coincidências, você se surpreende. Você realmente está passando por muita coisa, sua cabeça pesa mil quilos e você se pergunta “como ele sabe disso tudo?”

Nesse processo de estabelecer confiança, o homem diz ter poderes para te “curar”.

Algumas das vítimas ouvidas não aceitaram “a cura” e conseguiram perceber que tudo se tratava de um golpe. Outras, infelizmente, só se deram conta depois do abuso.

Fernanda* estava passando pelo fim de um relacionamento e fragilizada emocionalmente. Estava caminhando para a casa de uma amiga quando um carro parou ao seu lado, pedindo informações sobre como chegar em outro bairro de Campina Grande. Mesmo reticente, ela aceitou a carona oferecida por aquele senhor aparentemente inofensivo.

Naquela época era muito leiga em questões de espiritualidade e estava bem deprimida. No caminho ele começou a dizer que eu precisava trabalhar minha espiritualidade, dizia que eu tinha ‘uma luz muito forte’, mas que eu estava claramente desorientada, e nisso começou a falar coisas muito pontuais, que só eu sabia”.

Fernanda conta que ficou assustada com a precisão daquela fala. “A gente continuou conversando e um detalhe me chamou atenção: ele parecia um pouco ‘afeminado’ e isso me deu até um certo conforto. Ele me deixou onde eu queria e criamos uma espécie de amizade, de vez em quando a gente se falava por telefone, mas nada muito profundo

Até que um dia, esse homem ligou para Fernanda pedindo para se encontrarem pessoalmente, pois ele tinha algo muito sério para falar. “Ele tinha tido uma visão comigo, que eu estava correndo perigo. Lógico que fiquei assustada”. A jovem marcou o encontro no Shopping e teve o cuidado de avisar uma amiga.

Depois de duas horas de atraso da hora combinada, ele me disse que não estava conseguindo encontrar vaga no estacionamento e nós fomos para um terreno próximo ao shopping. Eu entrei no carro, e ele começou a fazer uma orações”.

Fernanda conta que o homem sugeriu que tirasse a roupa e fosse para o banco de trás do carro e começasse a se tocar chamando pelo nome do ex namorado, para, segundo ele, “liberar a energia sexual”. Diante da recusa da jovem, o homem começou a dizer que já tinha “curado” outras pessoas daquela forma e que ela deveria “confiar” nele.

“Já que você não quer sozinha, quem vai fazer por você sou eu”

Fernanda foi imobilizada e o homem começou a tocar em seu corpo. Nesse momento, sua amiga começou a ligar insistentemente, e foi quando a jovem conseguiu sair daquela situação.

Comecei a dizer que minha amiga tinha minha localização pelo GPS e que iria chamar a polícia. Ele me soltou, mas começou a me culpar. Disse que eu era frígida, que todos os meus relacionamentos davam errado por minha culpa e que ele só queria me ajudar. Me ameaçou dizendo que sabia onde eu morava, e se eu contasse para qualquer pessoa, ele iria atrás de mim e da minha família

Fernanda se sentiu tão envergonhada que resolveu ocultar a história, lidar com aquilo tudo sozinha e contou o fato para poucos amigos.

Até que alguns anos depois, um dos amigos falou que uma outra conhecida havia passado pela mesma situação, e mais um caso apareceu. Fernanda fez uma live em sua conta pessoal e mais casos semelhantes foram aparecendo.

O caso de Fernanda é o mais grave pois o abuso se configurou de forma física. Outras duas vítimas, entrevistadas pela redação, contaram que também foram abordadas pelo homem, mas que conseguiram perceber antes, a gravidade da situação.

Em 2014, Eduarda* estava no prédio de uma amiga em Campina Grande e um senhor apareceu no portão pedindo informações. “Quando me aproximei (sem abrir o portão), ele mudou o semblante e começou a conversar comigo. Falou que era vidente e chegou a fazer algumas ‘adivinhações’. Na época, eu devia ter 18-19 anos e estava passando por um término de relacionamento. Ele começou a falar sobre coisas mais íntimas. Falou ainda que eu ‘tinha uma luz’ em mim e que havia mais a me contar. Sugeriu que fôssemos a um ‘lugar mais privado’ fazer uma corrente energética. Perguntei aonde e ele respondeu ‘um motel’”.

Eduarda riu da ousadia. “Por mais que estivesse surpresa com seu suposto dom, pulei fora quando notei as reais intenções daquele homem mais velho”.

Um dos casos aconteceu em João Pessoa, em 2017.

Eu estava numa parada de ônibus em Manaíra. Esse homem parou o carro e perguntou como chegar no Mercado de Artesanato de Tambaú. Ele me ofereceu carona e eu aceitei. No caminho, ele começou a me dizer que eu era iluminada, mas que estava sofrendo muito. Eu não estava sofrendo nada, mas dei corda na conversa. Ele me disse que precisava fazer uma limpeza espiritual na minha casa, e se ofereceu para ir naquele momento. Eu recusei, agradeci a carona, e desci do carro. Nunca mais vi aquele homem, mas sabendo do que aconteceu, vi que poderia ter caído numa cilada grande”, conta Marcela*

Esse falso guru tem idade entre 50 e 60 anos, cabelos grisalhos, estatura mediana, não é magro, mas não chega a ser gordo. Usa um carro tipo sedã de cor escura. A abordagem é a mesma: pede informações sobre como chegar a um determinado lugar.

O que este homem fez com Fernanda e tentou com Eduarda e Marcela é crime. O médium João de Deus foi condenado a mais de 64 anos de prisão e a maior parte das acusações são de estupro mediante fraude.

A vergonha e o medo da exposição pública deixaram que João de Deus permanecesse por décadas abusando de centenas de mulheres, incluindo menores de idade.

Se você foi vítima do falso guru em Campina Grande, procure uma Delegacia da Mulher e denuncie!

A Delegacia da Mulher fica na Av. Sebastião Donato, no Centro.

Contato: 83 3310 9310

 

Taty Valéria

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