Uma carta para Augusto Aras

By 9 de março de 2022Brasil, Lute como uma garota

Olá Aras, tudo bem?

Sim, eu deveria chamá-lo de Senhor Doutor Procurador e que esta carta deveria seguir os protocolos oficiais de redação. Eu sei que ocupas o mais alto cargo da Procuradoria Geral da República e que isso denota um certo respeito, mas eu não o tenho, e nem sou obrigada.

Aras, eu não faço as unhas. A última vez que fui numa manicure foi no final de 2015, quando meu filho se ‘formou’ no ABC. Foi um evento importantíssimo, cabia uma produção a mais.

Desde então, participei de outros eventos ao lado de prefeitos e governadores. Solenidades de posse na Assembleia Legislativa, no Tribunal de Justiça e até no Ministério Público Federal aqui da Paraíba. Não precisei pintar minhas unhas. Mas poderia, se eu quisesse.

Um apresentador que, acredito, deve ser um grande admirador do seu trabalho, sugeriu que as mulheres que não fazem as unhas são porcas. Em outros tempos, poderia crer que o Procurador Geral da República não compartilharia dos mesmos ideais que um apresentador de policialesco, mas hoje as coisas são diferentes, não é mesmo?

Em relação aos sapatos, confesso que minhas escolhas passaram por um longo processo que envolveu, especialmente, o conforto. Já acompanhei uma solenidade no Palácio do Governo usando um All Star. Mas eu poderia ter usado um salto 15, se eu quisesse.

É possível que eu esteja sendo injusta com a vossa pessoa. Afinal de contas, o que sabe um homem de sua geração sobre as intimidades e anseios mais profundos da alma feminina, não é mesmo? Gostaria de lembrá-lo que além da cor do esmalte e do modelo do sapato, nós temos muitas outras preocupações: qual a melhor roupa e o melhor desodorante; qual brinco combina com tal colar; se usa o cabelo solto, ou preso; calça ou vestido; bolsa grande ou pequena…

Além de todo esse transtorno, algumas mulheres ainda precisam pensar em como conseguir ajuda para sair de um casamento violento. Vítimas de estupro precisam decidir se enfrentam um sistema judicial arcaico ou se engolem o choro e se viram sozinhas. Mães-solo que não possuem rede de apoio e ainda assim, precisam garantir o sustento da casa. Algumas mulheres ainda lidam com a violência institucional, lidam com a fome, com o desemprego, com o abandono, e com o medo da morte. O que é isso tudo diante do privilégio de poder escolher a cor do esmalte e o modelo do sapato, não é mesmo?

Não quero tomar mais o seu precioso tempo, visto que se acumula em sua mesa uma pilha de processos e que a diligência da Procuradoria Geral da República em apurar as denúncias contra os Bolsonaros tem sido extenuante.

Encerro essa carta com o mais profundo desejo de que, no Brasil, a grande preocupação das mulheres seja escolher a cor do esmalte, e o modelo do sapato.

Atenciosamente, 

Taty Valéria

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