O México tem registrado um aumento no número de ataques com ácido contra mulheres, uma forma de violência de gênero que atingiu ao menos 31 vítimas no país em duas décadas, segundo levantamento da Fundação Carmen Sánchez divulgado nesta quarta-feira (27).
Apenas no ano passado, no auge da pandemia, foram sete casos registrados pela entidade que é referência no apoio às vítimas. A média dos anos anteriores não passava de dois. A organização estima ainda que o número seja maior, uma vez que o crime é subnotificado.
Além disso, o México é um dos países mais perigosos para as mulheres em todo o mundo, com altos índices de feminicídio. Em 2021, dos 3.751 assassinatos de mulheres, quase um terço (1.004) foram motivados com base no gênero das vítimas.
Apesar do alto índice de assassinatos de mulheres no México, o país fica atrás do Brasil, que registrou, apenas no ano passado, 1.319 feminicídios, segundo dados do relatório “Violência contra mulheres em 2021” do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Carmen Sánchez cobre com óculos escuro as marcas de um ataque com ácido de seu ex-parceiro. Como parte de seu processo de cura, ajuda outras vítimas desse crime no México a reconstruir suas vidas. Aos 37 anos, oito deles com cicatrizes, a mulher lidera a fundação que leva seu nome.
“Cada dia resisto, mas não sei se em algum momento vou me curar completamente”, disse Carmen em entrevista à agência francesa AFP. “Não foi um acidente, eu não nasci assim. Ele planejou, comprou o ácido e jogou em mim. Quando me olho no espelho, eu o vejo.”
Ela contou ter sido submetida a 61 reconstruções, enxertos de pele e limpezas cirúrgicas após o ataque do então companheiro. À AFP, afirmou que pretende, com sua fundação, deter o que classificou como “violência ácida”, além de oferecer conforto e acolhimento às vítimas.
Sua luta inclui ainda enfrentar um sistema de saúde pública que garante apenas algumas das operações que as vítimas precisam, e um aparato judiciário marcado pela impunidade e ineficácia para impedir que os agressores matem ou desfigurem.
‘Lembraria por toda a vida’
Carmen tem duas filhas com o agressor, com quem viveu um relacionamento durante dez anos. Ela chegou a denunciar seu ex-parceiro por três vezes, mas ele nunca foi punido e jogou ácido em seu rosto em 2014, depois que ela o deixou.
“Ele disse que faria algo comigo que eu lembraria por toda a minha vida”, contou Carmen à AFP.
Ela chegou a ficar internada em um hospital por oito meses, e mesmo após oito anos do ataque, segue com tratamentos frequentes. O ex-marido não foi preso em flagrante, e, diante da inércia da polícia, Carmen foi atrás do agressor que terminou indo para a cadeia em 2021 – sete anos após o crime.
“Tive que arrancar a justiça do Estado, fui eu que fiz todo o trabalho”, afirmou Carmen.
‘Pedi ajuda para morrer’
Atualmente, a Fundação Carmen Sánchez tem capacidade de garantir tratamento gratuito, aconselhamento jurídico e terapia psicológica para ao menos oito mulheres que, assim como sua fundadora, sofreram ataques com ácido.
Uma delas é Yazmín, de 34 anos, que foi atacada há um ano e meio enquanto saía do trabalho por outra mulher. Ela sofreu queimaduras nas pálpebras, pescoço, pernas, um braço e perdeu uma orelha, segundo relatou à AFP.
“Cheguei a pedir aos socorristas que me ajudassem a morrer”, relembrou Yazmín.
Ninguém foi punido pelo ataque, mas Yazmín disse acreditar que a agressora foi enviada pelo seu ex-marido, com quem manteve por anos um relacionamento marcado pela violência, e que, novamente, foi ignorada pelas autoridades mexicanas, apesar de seguidas denúncias.
“Dias antes ele me disse para tomar cuidado, que ele tinha uma surpresinha para mim”, disse Yazmín à agência AFP.
Problema global
Apesar do aumento nos casos, o México não figura entre os países que mais registram ataques com ácido contra mulheres.
De acordo com a ONG britânica ASTI, a Índia tem anualmente 300 ataques com ácido, enquanto o Reino Unido carrega uma das maiores taxas proporcionais de casos.
No entanto, neste país europeu, o crime tem um perfil diferente e está vinculado às ações de gangues com vítimas, frequentemente, masculinas.
Já na Colômbia, onde o crime é punível com 50 anos de prisão, foram registrados 50 casos em 2021 (28 contra mulheres), segundo dados oficiais.
com informações do g1
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