Na internet circula com ares de piedade e de perplexidade, um vídeo onde Madalena da Silva chora e tem receio de tocar a mão de uma repórter branca. Todos nós concordamos que a cena é chocante, porém, as pessoas talvez não vejam o quanto essa exposição de Madalena é uma continuação da violência que ela viveu a vida toda.
Madalena foi escravizada desde os 8 anos de idade quando, com fome, pediu esmola na casa dos… dos quem mesmo? Quem são as pessoas que ESCRAVIZARAM uma criança e a mantiveram escrava por 52 anos?? Quem são? Você os viu? Qual o nome deles? Pois é… a mídia em cima deles é mínima, pois são brancos, ricos e não terão suas caras expostas nos policialescos que a gente se habituou a assistir na tv ou na internet.
Mas Madalena, não.
Madalena está exposta, de novo, com suas dores e seus traumas. Continua escravizada, mas agora pelo sadismo midiático que o povo alimenta sem nem se dar conta. Uma mulher que teve a vida roubada, violentada por décadas e hoje vive com um seguro desemprego e um salário mínimo por foça de uma ação cautelar do MPT.
O que venho expor aqui é: até onde a gente contribui para a perpetuação do racismo? Este racismo estrutural que hora é escancarado, hora aparece com ares de piedade cristã. Nas matérias que li, os jornalistas continuam a se referir a Madalena como “doméstica”. Ela nunca foi doméstica! Ela foi escravizada! A tratem como mulher, pelo nome! (Nem vou entrar aqui na discussão sobre o termo “doméstica”)
Madalena vivia com fome, não se sabe em quais condições familiares. Bateu em uma porta no desespero e passou sem sentir pela infância. Não brincou, não viveu aventuras adolescentes, não descobriu o amor, não pôde viver. Foi violentada e não sabemos ao certo de quantas e quais formas. É uma dor inimaginável! E, depois de tudo isso, uma emissora de TV envia uma equipe com uma repórter branca que vai dizer a ela que ela não precisa ter medo. E isso vira um espetáculo para que a massa chore com o gesto lindo da repórter e depois deseje a morte de meninos e meninas pretos e pretas que estão jogados à sorte de violência, fome e terror, numa escravidão social que a gente alimenta todos os dias e nem percebe.
Nós, pretes, estamos cansados de ver nosso povo esculachado, escravizado, morto, subjugado, exposto. A escravidão nunca acabou! E, pelo comportamento social que vemos no dia-a-dia, ela está longe de acabar!
P.S.:
OS ESCRAVOCRATAS:
Passei algum tempo procurando os nomes e referências à família que escravizou Dona Madalena. Cansei de procurar. Alguém deve achar, se tiver com paciência de procurar. Mas, na busca, achei MUITAS referências à Dona Madalena e seu rosto triste estampado em TODOS os sites. É isso.
Ah, também não encontrei matérias, reportagens de pessoas buscando punição séria e severa para quem comete esse tipo de crime no Brasil. O torcedor argentino – aquele lá que ficou imitando um macaco pra torcida do Corinthians – tem toda razão em debochar dos 3 mil que pagou de fiança. “Acá no pasó nada” (Aqui não houve nada).
Marcia Marques, especial para o Paraíba Feminina
*nota da redação: Postamos o vídeo no nosso perfil do Instagram, mas já retiramos.