Quatro vereadoras do município Lábrea, no sul do Amazonas, foram vítimas de violência política de gênero no dia 18 de maio, durante a votação da nova Mesa Diretora da Câmara Municipal. A Casa tem 13 vereadores eleitos, sendo oito homens e cinco mulheres. As parlamentares Lícia André Gomes (MDB), Greice Damasceno, Andrea Corrêa e Brígida Campos (todas do PSC) formaram a única chapa para concorrer à direção dos trabalhos legislativos e administrativos da instituição. Os vereadores se recusaram a votar nas quatro mulheres e boicotaram a sessão que elegeria, pela primeira vez na história do Amazonas, uma diretoria feminina.
Para impedir a votação da Mesa Diretora, os vereadores articularam-se em uma ação para não adentrar ao plenário, de forma que não houvesse quórum e a sessão de votação teve de ser suspensa. “Foi constrangedor ver representantes do povo usarem de uma estratégia vil para não votar”, denuncia a vereadora Andréa Corrêa.
A violência política de gênero teve a participação do presidente da Casa, o vereador Regifran de Amorim Amâncio, conhecido como Fanga (MDB). Segundo as vereadoras ouvidas pela agência Amazônia Real, ele não convocou os vereadores para ingressarem ao plenário para que a sessão de votação da Mesa Diretora acontecesse, mas sim finalizou alegando falta de quórum. “O presidente intimidou os vereadores a não comparecer no plenário, mesmo estando na Câmara e em seus gabinetes”, disse a vereadora Greice Damasceno.
O presidente da Câmara, vereador Fanga está em seu quarto mandato seguido. Segundo a reportagem apurou, ele não protocolou uma chapa para a eleição da nova Mesa Diretora, pois já se considerava reeleito. Segundo o vereador Hélio Camurça (Republicanos), os vereadores alegaram traição por conta da formação da bancada feminina. Essa fala veio do atual vice-presidente da Mesa Diretora, o vereador Bed Nahim (PP). “Eles alegam traição, por elas terem lançado a chapa e por não quererem aclamar como presidente o atual Presidente da Câmara”, disse o vereador.
A tipificação de violência política de gênero acontece com as mulheres eleitas quando:
- não são indicadas como titulares em comissões, nem líderes dos seus partidos ou relatoras de projetos importantes;
- são constantemente interrompidas em seus lugares de fala;
- são excluídas de debates;
- são questionadas sobre sua aparência física e forma de vestir;
- são questionadas sobre suas vidas privadas (relacionamentos, sexualidade, maternidade).
As vereadoras Lícia Gomes, Greice Damasceno, Andrea Corrêa e Brígida Campos estão juntando documentos para dar entrada na Justiça contra o boicote e violência dos parlamentares. Até esta segunda-feira (23), a situação na Câmara Municipal de Lábrea continuava a mesma, isto é, sem uma nova Mesa Diretora como requer o parlamento. Uma nova sessão para que aconteça a eleição ainda não foi marcada. O vereador Fanga, presidente da Câmara, foi procurado mas não respondeu à reportagem.
O município de Lábrea tem uma população de 47.685 (IBGE). Segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Amazonas, são eleitores 25.441 pessoas. As eleições no município aconteceram em 15 de novembro de 2020. Os 13 parlamentares, sendo oito homens e cinco mulheres, assumiram o cargo na Câmara Municipal para a legislatura 2021-2024.
Dos oito homens, apenas o vereador Hélio Camurça (Republicamos) apoiou as mulheres à Mesa Diretora. Ele gravou um vídeo e postou em suas redes sociais como forma de protesto diante da situação de boicote à chapa feminina. “Eu fui testemunha viva do quanto é difícil as mulheres se manterem na política, pela pressão emocional que sofreram durante a sessão, que foi boicotada para que não houvesse quórum, mesmo com os vereadores dentro do prédio da Câmara”, disse a reportagem da Amazônia Real.
Desde o início dos mandatos, as vereadoras buscam unir as mulheres eleitas da casa, para que pudessem ter mais forças na continuação de seus trabalhos. Além de Lícia André Gomes (MDB), Greice Damasceno (PSC), Andrea Corrêa (PSC), Brigida Campos (PSC), é da bancada feminina a vereadora Áurea Galvão (MDB).
“Temos sido ativas e levado o nome desta casa de forma positiva. Após a abertura do edital, pensou-se em formar uma chapa somente de mulheres, uma vez que pela primeira vez essa casa teria número suficiente para tal ação”, disse a vereadora Andrea Corrêa.
A sensação que fica, segundo as vereadoras, é de terem seus direitos de concorrer privados. Elas alegam ter tido mais vereadores do lado da chapa, mas não sabem o motivo de eles não terem ido a votação no dia. “Fizemos a denúncia na Promotoria da cidade, e fomos à delegacia, pois tememos nossa integridade física no ambiente de trabalho”, dizem elas.
As vereadoras de Lábrea que sofreram a violência de Gênero política (Foto: Facebook Câmara de Lábrea)
A Secretaria da Mulher e da Primeira Secretaria da Câmara Federal realiza, desde dezembro de 2019, a Campanha de Combate à Violência Política de Gênero. De acordo com a secretaria, a violência é considerada uma das causas da sub-representação das mulheres no Parlamento e nos espaços de poder e decisão e prejudica a democracia no país. “A violência pode ocorrer por meio virtual (com ataques em suas páginas, fake news e deepfakes) e também nas ruas, quando as mulheres que atuam na política são atacadas por eleitores. Elas podem ser vítimas tanto em seus partidos como dentro de casa. As ações se dão de forma gradativa e podem chegar até ao assassinato”.
Para a feminista, historiadora e militante Francy Júnior, integrante do coletivo Dandaras e do FPMM (Forúm Permanente de Mulheres de Manaus), a situação acontecida em Lábrea se trata de mais um episódio de violência política, em que homens machistas determinam os espaços onde as mulheres devem permanecer. “Isso acontece em várias cidades, e quanto mais longe pior fica a situação dessas mulheres que estão nessa perspectiva de chegar a espaços de poder. Uma vez que esses espaços sempre foram de homens, eles os construíram e os constituíram para eles e não para as mulheres, e hoje com a possibilidade que temos de ocupar esses espaços eles vão fazer de tudo para que a gente possa continuar na cozinha”, afirma Francy.
O Conselho Estadual do Direito da Mulher (Cedim-AM) divulgou uma nota informando que garantiu o apoio às vereadoras de Lábrea com o intuito de frear a violência de gênero na política e afirmar a legitimidade da chapa da Mesa Diretora. Segundo a presidente do Conselho, Dora Brasil, esse tipo de violência impede o crescimento e a participação das mulheres em espaços de poder. “Existem milhares de Casas Legislativas com mesas dirigidas única e exclusivamente por homens. Por que não pode haver uma mesa dirigida só por mulheres? Em que isso afeta a dignidade masculina?”, indaga.
Até o fechamento desta matéria, nenhum dos vereadores da casa, que foram contra a eleição da chapa, se pronunciou ou respondeu aos contatos da reportagem.
Para denunciar casos de violência, as vítimas têm alguns canais. O mais conhecido deles é o 180, a Central de Atendimento à Mulher. O número do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) passou a contar, desde novembro de 2020, com um número no WhatsApp: (61) 99656-5008. Também podem ser feitas denúncias por meio do aplicativo Direitos Humanos BR e pelo site da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
Matéria de Nicoly Ambrosio para o portal Amazônia Real