Ainda em dezembro de 2020, publicamos aqui uma matéria sobre o “Jejum de Daniel”, prática adotada pela Igreja Universal para blindar os fiéis sobre qualquer tipo de informação que não seja da própria igreja e seus canais. Se você não leu, veja aqui no link. Após a publicação, recebemos um relato de uma jovem que fez parte da Igreja Universal por alguns anos e que, apesar de chocante, reforça o conceito de ser um espaço de pessoas subjugadas e enganadas por pastores e bispos que se aproveitam da fé e da humildade dos seus fiéis para viverem uma vida de luxo e prazeres (incluindo os sexuais) que são proibidos para quem não está no topo da casta.
Em duas matérias especiais, vamos contar o relato de Júlia*, moradora de uma cidade paraibana.
Quando Júlia* nasceu, sua família já era assídua da Igreja Universal. Apesar de não frequentar, ela já recebia a pressão em casa desde cedo, e já na adolescência pediu à mãe para ir num show. “Minha mãe disse que eu só permitiria se eu fosse à igreja”. Ela ainda pensava sobre o assunto quando um episódio inesperado fez que com mudasse de opinião. “Um dia, no centro da cidade, eu fui interceptada por um rapaz que queria me assaltar e eu corri pro lugar mais próximo que tinha na minha direção. Eu entrei na Igreja Universal. Lembrei do que minha mãe havia dito, resolvi perguntar como funcionava o grupo jovens, mas na verdade eu só queria ir ao show”. A partir daí, a vida de Júlia virou um inferno.
O começo:
Depois do primeiro sábado já na igreja, entrei no Grupo Jovem e conheci amigos legais que me “evangelizaram” e me colocaram em um dos subgrupos (é sempre dividido por subgrupos que tem gincanas entre si). E eu fiquei no subgrupo de um cara que se interessou por mim. Mas ele era “obreiro”, e lá existe essa hierarquia ridícula de que obreiro só namora com obreiro porque são pessoas maduras espiritualmente e eu como jovem, que nunca cheguei a ser obreira, era vista como uma pessoa ainda em “transformação”: de mundana pra convertida.
A Igreja Universal possui uma estrutura hierárquica de cargos: Bispos, Pastores e Obreiros. Esse último grupo é formado por voluntários selecionados por um pastor. Nenhum desses cargos é vitalício, qualquer um podendo descer, subir ou sair da hierarquia por motivos morais (como descoberta de infidelidade, roubo, mentira e outros). Os clérigos nunca se aposentam e os que ficam inválidos recebem um auxílio. Pastores só avançam na hierarquia quando têm um casamento estável.
Depois de 3 anos engravidei desse cara, e tudo piorou. As pessoas não sabiam que nós tínhamos um relacionamento e me acusaram de ser “uma tentação usada por uma pombagira pra desviar obreiro ungido de Deus do caminho do bem”. Eu transei sem querer, continuei transando sem querer me sentindo “suja” por não fazer a “vontade de Deus” na época, porque na minha cabeça eu estava “cometendo pecado” enquanto sofria violência psicológica do “obreiro ungido modelo exemplo” que me dizia que ele tinha “necessidades e sentia falta” me pressionando a transar com ele mesmo com sentimento de culpa. Hoje eu entendo que muita coisa que aconteceu comigo foi estupro.
Lavagem cerebral e violência doméstica:
Eu acho que os órgãos de psiquiatria e psicologia deveriam se juntar de alguma forma pra tentar criminalizar o que essas igrejas fazem. É mais do que lavagem cerebral, é crime contra a saúde mental. A forma como eles pressionam psicologicamente o membro da igreja na época da fogueira santa pra doar o “dinheiro” como “oferta” pra Deus eu considero um crime contra a saúde pública. Eles dizem: se você tem fé você dá, se não tem fé, não dá. Quem tem fé pra dar carne dá carne e recebe carne como recompensa, quem tem fé pra dar legumes, dá legumes e legumes recebe. É uma pressão psicológica que te deixa de mãos atacadas, você se sente “contra Deus” e você só “prova pra Deus” se der algum bem material.
Então, pra mim, é uma lavagem cerebral que deveria ser vista como algo mais grave porque abala emocional e psicologicamente o indivíduo. Eu, por exemplo, me senti muito ferida e abalada psicologicamente por todo julgamento que passei quando estive lá.
Eu desenvolvi um complexo de inferioridade horrível lá dentro, saí abalada, angustiada, me sentindo sem forças e achando que precisava provar que “minha família (meu marido com meu filho)” precisavam “dar certo” pra provar pra eles que estavam errados ao meu respeito, e isso me levou a ficar casada com um cara abusivo que me violentou por 7 anos.
Uma pesquisa realizada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, constatou que 40% das mulheres vítimas de agressões físicas e verbais de seus companheiros se declaram evangélicas. Os dados reforçam a marcação da Igreja Evangélica como abrigo de correntes conservadoras e contrárias ao desenvolvimento social.
Júlia* é um nome fictício. Apesar de ter saído da Universal já há um bom tempo tempo, ela teme retaliações violentas.
Taty Valéria