Corria o mês de março de 2018 e a cerimônia de formatura dos cursos de jornalismo, relações públicas e rádio e TV da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Unesp de Bauru ocorria normalmente. Após a fala do orador, alunas da Unesp levantaram cartazes em que pediram o fim do assédio na universidade.
Em nota à imprensa enviada dias depois, a Unesp afirmou que existia sim uma denúncia sobre um professor do curso de comunicação social da FAAC e que estaria em processo de apuração.
Chegamos em 1º de julho de 2022 e a FAAC amanheceu com novos cartazes denunciando o professor Marcelo Magalhães Bulhões. Nos cartazes, espalhados pelos corredores e áreas sociais, é possível ver prints que seriam de conversas do professor com alunas, datadas de 2018.
“A verdade é que nosso desejo não passa”, “Há algumas coisas muito importantes. Chup*r você. E depois te com** de quatro. Bem forte. Vou te comer em pé em alguma rua da cidade. E fazer você chupar meu p**.
Em outra imagem divulgada no cartaz, Marcelo teria enviado um e-mail à uma aluna pedindo para conversarem por whatsapp, mas que ela use uma “foto abstrata”.
De acordo com informações de Marcella* aluna de Relações Públicas, eram comuns as histórias sobre ele convidar alunas para tomar vinho e assediar por mensagens. “Várias turmas, principalmente da FAAC já avisam as calouras sobre ficar longe dele”, afirma Marcella, que também passou por uma situação de assédio em 2019.
“Durante uma aula, ele quase encostou no meu peito enquanto ‘explicava um trabalho’ e mesmo me afastando ele continuava esticando o braço. Minha sorte foi ter uma mesa e alguns amigos em volta. Nunca entrei em contato ninguém superior, pois sempre achei que como não houve o contato físico, a denúncia não seria levada a sério”, diz Marcella.
Toques, abraços, beijos no rosto, sempre “mascarados” como forma de cumprimento informal.
Fernanda* ingressou no curso de jornalismo em 2014. “Tive aula com ele em 2015 durante um semestre. Quando eu entrei, não haviam denúncias públicas de assédio apenas poucos relatos entre veteranas e alunas, então ele ainda era um professor bastante popular e benquisto entre os alunos. Quando começamos a ter aula, fui percebendo esses comportamentos nele bastante desagradáveis, de buscar mais proximidade. Recusei os convites que ele me fez e quando eu neguei definitivamente ele me excluiu das redes sociais e passou a me evitar pelo campus. Ao longo dos meses, fomos descobrindo outras alunas que passaram por situações semelhantes ou piores, especialmente por meio da ação do Coletivo Feminista. Nos juntamos e fomos atrás dos meios legais para abrir uma denúncia na ouvidoria. Buscamos relatos e apoio de advogadas, entregamos relatos anônimos e depomos. Isso já em 2017. Infelizmente, após a investigação, a ação da UNESP foi afastá-lo por um semestre, colocando-o em outros cursos, fora de Jornalismo”.
Hoje, Marcelo continua como professor da universidade, lotado no Departamento de Ciências Humanas, como consta no site institucional da Unesp.
*Júlia entrou na faculdade em 2013, e à época, não havia nenhum espaço de acolhimento para mulheres na Universidade. “A partir de uma iniciativa das alunas de vários cursos, foi criado o primeiro Coletivo Feminista da Unesp e foi nesse espaço, que as alunas se sentiram seguras para fazer suas denúncias contra Marcelo”.
“Era sempre o mesmo modus operandi: e-mails com conotação sexual, investidas na sala de orientação, mensagens no celular de madrugada. Munidas com no mínimo 10 denúncias envolvendo o mesmo professor, encaminhamos para a Ouvidoria da Unesp Bauru e o Conselho de Curso de Jornalismo” afirma Fernanda, que completa: “Não é segredo pra ninguém que ele já declarava que entraria com medidas judiciais contra quem o acusasse”. Fernanda diz que apesar das ameaças, não tem conhecimento de que Marcelo tenha formalizado qualquer processo judicial.
Munidas com no mínimo 10 denúncias de assédio sexual contra o mesmo professor, o Coletivo encaminhou o material para a Ouvidoria da Unesp Bauru e o Conselho de Curso de Jornalismo. Em 2017, foi instaurado um “Processo de Apuração Preliminar de Natureza Simplesmente Investigativa” e posteriormente, uma Sindicância Administrativa. O resultado do processo foi enviado para o e-mail do Coletivo Feminista, segue o texto na íntegra:
“Prezadas, boa tarde.
Tendo em vista as denúncias recebidas pela Ouvidoria da FAAC, em razão de comportamentos inadequados do Prof. Dr. Marcelo Magalhães Bulhões, esta diretoria instaurou Processo de Apuração Preliminar de Natureza Simplesmente Investigativa (Processo nr. 202/2017) cuja decisão proferida foi de instaurar Sindicância Administrativa contra o referido docente (Processo nr 991/2017).
A Comissão sindicante finalizou os trabalhos indicando o arquivamento dos autos com algumas recomendações, sendo a primeira delas direcionada ao próprio docente, para que venha captar as mudanças sociais e comportamentais da sociedade, para a devida adequação no ambiente de trabalho, abandonando eventuais atitudes ambíguas de tratamento pessoal com os alunos.
Outra medida diz respeito à FAAC, na busca de mecanismo para fomentar medidas educativas e elucidativas diante desses temas atuais, complexos e delicados, com a promoção de Encontros, Simpósios ou Colóquios.
Informamos, ainda, que o Relatório Final, na íntegra, emitido pela Comissão Sindicante, estará disponível para vistas mediante solicitação formalizada.
Atenciosamente,”
“Durante o período de “investigação”, esse professor foi afastado alegando necessidade de cuidar da saúde. O resultado da sindicância foi que conversaram com o professor pra ele tomar cuidado com as “atitudes ambíguas”. Concluí o curso em 2018, e ele voltou a dar aula logo depois.”, diz Júlia.
Voltamos ao protesto durante a cerimônia de formatura em 2018, e ao relato de Marcella, em 2019.
Perguntadas, nenhuma das fontes ouvidas soube explicar quem, ou por qual motivo o cartaz foi colocado nesta sexta-feira, 1º de julho, nas dependências da faculdade.
Em nota enviada à redação, a Unesp-Bauru informou que está atenta e acompanhando, desde a manhã desta sexta-feira, as manifestações que circulam nas redes sociais e em cartazes dentro do câmpus referentes à conduta inadequada por parte de um dos seus docentes.
Segue nota oficial, na íntegra:
A Unesp, câmpus de Bauru, vem a público informar que está atenta e acompanhando, desde a manhã desta sexta-feira, as manifestações que circulam nas redes sociais e em cartazes dentro do câmpus referentes à conduta inadequada por parte de um dos seus docentes.
Cabe esclarecer que em 2017 foi instaurada uma apuração preliminar de natureza investigativa a partir de denúncias de assédio do docente mencionado nos cartazes. Tal processo culminou em uma sindicância administrativa contra este servidor, finalizada em 2018. A comissão sindicante, à época, indicou o arquivamento dos autos com recomendações, tais como instauração de mecanismos para fomentar medidas educativas e elucidativas sobre assédio.
A Unesp vem desenvolvendo, desde então, ações efetivas de combate à violência, sobretudo ao assédio: Guia contra o Assédio (https://www2.unesp.br/Home/ouvidoria_ses/guia-unesp-prev-assedio-compactado-18fev2020-m501_u7_18022020160311.pdf); Aplicativo UNESP Mulheres (https://www2.unesp.br/noticia/36788/aplicativo-amplia-a-rede-de-protecao-as-mulheres-da-unesp) e Protocolo Institucional de Acolhimento às Vítimas de Violência Sexual (https://www2.unesp.br/Home/ouvidoria_ses/protocolo.pdf), entre outras.
A Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) repudia toda e qualquer prática de assédio. A FAAC defende a dignidade humana e é pautada por princípios que visam garantir o respeito e convívio harmônico em quaisquer circunstâncias e locais, especialmente em sua ambiência acadêmico-laboral. Nesse sentido, afirma que não medirá esforços para colaborar com as soluções de qualquer fato oficialmente demandado, tomando as medidas cabíveis, seguindo os protocolos administrativos com ética, responsabilidade e transparência.
A FAAC reitera que toda e qualquer prática de assédio não é tolerada e ressalta a importância da formalização de denúncias, nos vários canais, inclusive na Ouvidoria da Unesp, que inclusive pode garantir o anonimato, evitando a exposição de vítimas e cobrando da comunidade unespiana atitudes que correspondam aos valores sociais e humanos condizentes com a excelência dos serviços públicos prestados pela instituição.
Atenciosamente,
Taty Valéria