Em janeiro de 2019, Victória Jugnet Grossi, jovem transexual de 18 anos, faleceu. Nascida em um corpo masculino, Victória já tinha iniciado o processo de transição, com o apoio da família. No doloroso processo de velório e enterro que se seguiu, a Justiça do Distrito Federal negou à família da jovem o pedido de incluir o nome social da filha no atestado de óbito.
Em dezembro de 2021, Alana Araújo foi velada usando terno, gravata e um falso cavanhaque em Aracajú, Sergipe. Mulher trans, Alana morava sozinha, em situações precárias e sua mãe, única familiar que lhe prestava apoio, já havia falecido. Coube ao pai e ao irmão de Alana, organizar o velório.
E no final de junho de 2022, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Demétrio Campos se tornou o primeiro homem trans do Brasil a ter seu nome retificado no atestado de óbito. Demétrio faleceu em 2020, e mesmo com o desejo da família em manter seu nome social e sua identidade de gênero, foi sepultado com o nome de nascimento,
As três situações causaram revolta entre a comunidade LGBTQIA+ e abriu o debate sobre o respeito à identidade de gênero e à violação de corpos trans, mesmo após a morte. No caso de Aracajú, a família não respeitou a identidade de Alana, mas nos outros dois casos, foi a justiça que impediu o reconhecimento de gênero.
Na Paraíba, foi sancionada na última semana, a Lei 12.352/2022, que dispõe sobre o respeito ao uso do nome social nas lápides e atestados de óbito de travestis, mulheres e homens transexuais.
No Brasil, apenas 3 outros estados já regulamentaram legislações nesse sentido: Bahia, Pernambuco e São Paulo.
De autoria da deputada estadual Estela Bezerra (PT), a lei também assegura que, durante as cerimônias de velório, sepultamento ou cremação, o respeito à identidade de gênero no que diz respeito à aparência pessoal e vestimentas utilizadas pela pessoa transexual ao final de sua vida.
Militante histórica do movimento LGBTQIA+ no estado, a deputada Estela Bezerra comenta que o nome social na lápide é um recurso para que a identidade de gênero das pessoas trans não seja violada por parentes preconceituosos.
“Temos muitos relatos de famílias sanguíneas que nunca acolheram as pessoas trans e que no momento do sepultamento, modificam suas aparências e colocam na lápide o nome de batismo. Com essa lei a comunidade que acolhe as pessoas trans pode fazer valer e manter a identidade de gênero escolhida em vida. É uma questão de dignidade e respeito a existência dos homens e mulheres trans.”, disse a parlamentar.
De acordo com um levantamento feito pela revista piauí, em 2021, com as prefeituras das 26 capitais brasileiras e o Distrito Federal, apenas São Paulo, Brasília e Palmas têm leis específicas sobre reconhecimento da identidade social em cerimônias de velório, sepultamento e cremação. A capital paulista foi a pioneira em garantir o nome social de travestis e pessoas trans que venham a ser sepultadas nos cemitérios públicos e particulares. O decreto nº 58.228, de 16 de maio de 2018, assegurou o uso do nome social de pessoas trans na documentação e em lápides mediante a apresentação de simples requerimento por qualquer membro da família da pessoa falecida.
Apesar da legislação ser uma conquista, ela não garante que, de fato, o desejo da pessoa falecida será respeitado.
Jade Vaccari, mestranda em Letras pela Universidade Federal da Paraíba e ativista social, entende que o velório e sepultamento de pessoas trans sem o reconhecimento da identidade de gênero é um segundo abandono. “Já vi casos de homens e mulheres trans sepultados sem nenhuma referência à sua identidade de gênero. É muito comum a família expulsar e abandonar as pessoas trans ainda muito jovens, e mesmo depois da morte, rejeitam aquela identidade como se eles nunca tivessem existido.”
No final das contas, é a família quem irá decidir se o nome e a identidade da pessoa será respeitada tanto no atestado de óbito, quanto na lápide.
“Infelizmente a lei não assegura de forma prática que o nome social na lápide e no atestado de óbito sejam respeitados. A partir do momento que falecemos, é a família quem toma conta desse espaço. É um tema pra se debater e se destrinchar muito, a família tem que ser sensível ao tema, tem toa uma discussão a ser feita em cima desse direito. Apesar de garantido por força de lei, deixa essa brecha” afirma a fisioterapeuta Andreina Gama, Coordenadora da Associação de Pessoas Travestis e Transexuais da Paraíba.
Taty Valéria