Dossiê da saúde: João Pessoa está em 221º lugar no desempenho da saúde básica na PB

A redação do Paraíba Feminina teve acesso à um dossiê extra oficial produzido por profissionais que atuam na Atenção Básica de Saúde em João Pessoa que apontam os motivos da Capital configurar entre os piores desempenhos da Paraíba.

O documento, de dez páginas, destrincha de forma objetiva aquilo que os usuários das USF’s e o Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRM-PB) já denunciam há tempos: o serviço na atenção primária à saúde em João Pessoa está, literalmente, caindo aos pedaços.

Desempenho no programa federal Previne Brasil

O primeiro tópico abordado no documento fala do desempenho pífio do município de João Pessoa nos indicadores do programa federal Previne Brasil – criado em 2019 pelo Ministério da Saúde, que aponta um novo modelo de financiamento e altera algumas formas de repasse de recursos para os municípios, baseado, entre outros pontos, nos resultados dos indicadores de saúde. Enquanto a Paraíba é o estado brasileiro com o melhor desempenho no Previne Brasil, o município de João Pessoa ocupa a desonrosa 221º posição entre os 223 município paraibanos. Campina Grande não ficou muito longe, e ocupa a 210º posição, mas não é sobre a Rainha da Borborema que iremos falar hoje.

Para entender a gravidade dessa posição, vamos entender como funciona o Previne Brasil: antes da criação do programa, os municípios recebiam recursos federais de acordo com dados populacionais do IBGE. Quanto maior a população, mais recursos. Com a mudança, os municípios passaram a receber os recursos baseados nos 7 indicadores do Previne Brasil:

  1. Proporção de gestantes com pelo menos 6 (seis) consultas pré-natal realizadas, sendo a
    1ª até a 20ª semana de gestação;
  2. Proporção de gestantes com realização de exames para sífilis e HIV;
  3. Proporção de gestantes que passaram por atendimento odontológico;
  4. Cobertura de exame citopatológico;
  5. Cobertura vacinal de poliomielite inativada e de pentavalente;
  6. Percentual de pessoas hipertensas com pressão arterial aferida em cada semestre;
  7. Percentual de diabéticos com solicitação de hemoglobina glicada.

De acordo com o ranking do Previne Brasil, a situação das gestantes em João Pessoa no segundo quadrimestre é desesperadora. Somente 7% das grávidas se encaixam no item 1; apenas 19% realizaram exames para sífilis e HIV; outras 20% passaram por atendimento odontológico.

Outro dado grave: a cobertura para exames citopatológicos só alcançou 4%. O exame citopatológico detecta alterações nas células do colo do útero que possam predizer a presença de lesões precursoras do câncer ou do próprio câncer e é principal estratégia para detectar lesões precocemente.

A cobertura vacinal poliomielite inativada e de pentavalente só atingiu 47% do público indicado, e pasmem, é o melhor indicador de João Pessoa.

Nos itens 6 e 7 a cobertura percentual ficou em 0% e 5%, respectivamente.

Acesse a tabela com todos os municípios: PB-2021-Q2-Resultados-Previne-Brasil (1)

 

Estrutura precária

De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRM-PB) entre 2021 e 2022, foram interditadas eticamente 14 unidade de saúde da família só em João Pessoa. No caso de interdição ética, o CRM veta que os médicos façam atendimentos nessas USFs, como forma de proteger os profissionais e os cidadãos. Isso significa que as unidades não são fechadas, mas ficam sem a atuação dos profissionais.

Das Unidades interditadas em 2021, três foram desinterditadas: UBS Paratibe, UBS Castelo Branco III e Policlínica do Idoso.

Atualmente, existem seis Unidades de Saúde interditadas em João Pessoa: UBS Integrada Rosa de Fatima (em Paratibe, USF Integrada Qualidade de Vida (no Varjão), USF Paratibe II, USF Rangel I, UBS Ipiranga (Planalto da Boa Esperança) e UBS Integrada Saúde e Vida (no Esplanada).

Um exemplo de interdição aconteceu em abril, na Unidade de Saúde da Família (USF) Integrada Viver Bem, no bairro Treze de Maio. A fiscalização do CRM constatou problemas de infraestrutura (mofo, calor, falta de privacidade), escassez de insumos, exames e equipamentos básicos, além da falta de segurança para os profissionais e patrimônio. De acordo com o release enviado pelo CRM à imprensa, “a situação da USF está pior que o observado nas fiscalizações anteriores e as inconformidades apresentadas em relatórios passados não foram sanadas”.

Outras duas interdições aconteceram em maio, na Unidade Saúde da Família (USF) Integrada Saúde e Vida, no bairro Esplanada, e Unidade de Saúde da Família (USF) Ilha do Bispo.

Os postos foram interditados por apresentarem problemas estruturais graves, “pondo em risco a integridade física de profissionais e pacientes, além de não possuírem equipamentos básicos para o atendimento, como estetoscópio, otoscópio e oftalmoscópio. As duas unidades funcionam como campo de práticas para residência médica em medicina da família e comunidade”.

Na USF da Esplanada, a sala do citológico apresentava mofo intenso, buracos na parede, sanitário com vaso e lavatório sem funcionar. “Por estes motivos, a unidade está há seis meses sem realizar coleta de material para citologia vaginal. No momento da vistoria, a sala de coleta estava alagada por vazamento no teto, junto às instalações elétricas. A sala de curativos estava com infiltração, mofo e sem energia. As salas de enfermagem apresentam problemas semelhantes aos consultórios médicos, sendo que uma delas oferece risco de choque elétrico nas paredes.”

Ainda no final do mês de maio, a Prefeitura Municipal de João Pessoa anunciou a reforma e recuperação de 14 prédios de serviços de saúde nos “últimos meses”. “Foram realizadas melhorias nos ambientes e instalações para oferecer mais conforto e qualidade no atendimento diário à população da Capital”, diz o portal institucional da PMJP. De fato, de acordo com as imagens disponibilizadas no próprio portal, algumas unidades receberam pinturas nas paredes.

E durante o fechamento dessa matéria, mais uma Unidade de Saúde foi interditada pelo CRM: USF Verde Vida, no bairro das Indústrias

No início do mês, o prefeito Cícero Lucena anunciou que irá reformar 100% da Rede de Atenção Básica e a construção de novas Unidades de Saúde e novas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). O prefeito Cícero Lucena ainda anunciou uma intervenção estrutural que vai modernizar e ampliar a Rede Municipal de Saúde. A gestão vai reformar todas as Unidades Básicas e construir outras 12 e a proposta é entregar todas as unidades, novas e reformadas, até o final da gestão. Uma coisa que não ficou clara, é como será o plano de atendimentos dessas unidades enquanto elas passarem pela reforma.

Não há atendimento de saúde básica sem estrutura

A relação entre a cobertura digna dos indicadores do Previne Brasil está relacionada à estrutura física das Unidades de Saúde, mas não só. É preciso que haja uma estratégia de atuação, cobertura e atendimento.

De acordo com o dossiê, “não existe um direcionamento, vindo de cima, de como as USFs devem acolher as pessoas; aí cada USF faz do jeito que achar melhor (ou seja, como os profissionais acham melhor). Tem USF que só acolhe as primeiras pessoas que chegarem na USF (se acabou ‘as fichas’, retorna no dia seguinte), outras conseguem se organizar para acolher pelo menos de manhã e de tarde, outras conseguem minimamente acolher as pessoas ao longo dia (poucas funcionam assim); tem USF que não tem agendamento de consultas (é só consulta do dia, para as pessoas que pegaram ‘ficha’), outras conseguem agendar para outro dia. Este é só um exemplo, a partir de um fator
apenas: acolhimento dos usuários.

Mas de onde vem essa desorganização na estratégia? Por que não há um planejamento estratégico no funcionamento e atendimento dos usuários das USF’s e UBS’s? A Secretaria de Saúde de João Pessoa possui corpo técnico qualificado para atuar na Atenção Básica à Saúde? De onde partem as principais decisões no que diz respeito à saúde em João Pessoa?

Esses questionamentos serão a pauta da próxima matéria.

 

Taty Valéria

 

 

 

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