Por Priscila Werton
Escrevo esse texto depois de passar horas lavando a louça de um restaurante. Fui para um date com o Caio Castro, ele não quis me sustentar, eu não tinha dinheiro para pagar a conta e acabei na cozinha.
O Caio Castro não é só um modelo de beleza, é também um modelo do que se passa na cabeça do homem-branco-hétero-cis-bonito-classe-média-alta no Brasil. Primeiro essa entidade não entende os privilégios sociais que possui, tampouco entende que sua figura máscula atrativa não é suficiente para agradar uma mulher e as falas recentes dele sobre sustentar mulher pagando a conta de um restaurante só mostram como é a visão dele sobre nós e como deve ser triste namorar um cara absurdamente gato, gostoso maravilhoso e que só tem isso pra dar.
– Será que o home precisa pagar a parte da mulher na conta em um date porque ela gastou muito mais nesse date para: arrumar o cabelo, a unha, fazer maquiagem, roupa bonita, bolsa, joias, perfume além de personal trainer, academia, nutricionista e dermatologista para ter um corpo e uma pele perfeitos e psiquiatra, psicólogo e talvez medicações para aguentar lidar com homens como ele?
Meu ímpeto inicial é dizer que sim, afinal, está muito difícil para nós mulheres cis e hetero aguentarmos um date com a qualidade de homens padrão que temos no mercado atualmente. Nesse cenário lamentável eu acho que só pagar o meu jantar não seria suficiente. Acho que no mínimo o mais próximo de algo ideal seria: uma limosine para me buscar e deixar em casa, buquê de flores, um homem minimamente arrumado que esteja em pé de igualdade com essa arrumação toda que eu fiz para vê-lo e, obviamente, pagar a conta do jantar, do motel, do hotel e de qualquer lugar em que eu o esteja presenteando com minha companhia, afinal estou ali dedicando meu tempo para que um homem hétero babaca passe a noite enchendo seu próprio ego achando que é melhor e diferente dos outros e me fazendo de troféu ao se mostrar na sociedade em minha companhia, só porque eu queria apenas sexo e não achei um homem hétero mais encaixado nas minhas exigências (que são bem básicas).
– Pagar a conta no restaurante é sustentar mulher?
Se for, como as lésbicas fazem? Os homens gays simplesmente não pagam? Ri muito com as respostas das pessoas no TT a esse acontecimento que nos últimos tempos foi o papel mais famoso que o Caio Castro fez: o de héterotop.
É de uma arrogância tão grande um cara achar que está, de alguma forma, sustentando uma mulher por pagar uma simples conta de um restaurante e colocar isso em pé de igualdade com o acontecimento social de uma mulher se sustentar sozinha. Primeiro: quem é ele na fila do pão para dizer o que uma mulher precisa fazer? Segundo que as questões de autossustento para uma mulher são muito mais complexas do que podem imaginar os neurônios dele. Caio Castro, as mulheres precisam fazer o que elas quiserem. Se elas quiserem ter um marido que as sustente (isso inclui pagar TODAS as contas e as prover uma qualidade de vida que merecem) quem é tu para dizer que isso está errado? Se no oposto, uma mulher quiser pagar todas as contas do seu marido, o sustentando, e daí?
Tem alguém errado por isso? Não.
Mas na real o que acontece é que as mulheres enfrentam muitos problemas para conseguirem se sustentar: primeiro que as mulheres até hoje ganham menos que os homens ocupando os mesmos cargos, se for uma mulher negra então… se a mulher consegue chegar em um alto cargo dentro de uma empresa (ganhando menos que o homem que tem cargo semelhante) ela ainda precisa lidar com as diversas situações de abuso moral e até sexual dentro dessas empresas (vem pra caixa você também, vem).
Quando uma mulher fica grávida precisa lidar com o abandono paterno, porque o homem acha que por não ter gestado a criança em seu ventre, tem menos responsabilidades que a mulher sobre a criança e/ou acha que só pagar a pensão do próprio filho é suficiente para sua contribuição na vida desse ser humano que ele mesmo deu o espermatozoide para gerar, esquecendo das milhares de outras necessidades que uma criança tem que acabam sendo responsabilidades supridas inteiramente pela mãe ou ele simplesmente some e não paga nem a pensão do filho com essa mesma ideia que você tem de achar que está sustentando uma mulher (risos).
Resumindo a história, sabe quem sabota a mulher nessa árdua missão de se sustentar em uma sociedade machista e hipócrita? Você, o homem-branco-hétero-cis-bonito-classe-média-alta brasileiro. Antes que alguém venha me xingar, esse texto é claramente uma generalização com a finalidade de exemplificar situações que apesar de serem absurdamente comuns, não são absolutas, ainda bem).
Então Caio Castro, agora que você entendeu que é você que está sabotando as mulheres na missão de se sustentarem, quantas contas de restaurante você acha que você e seus iguais precisam pagar para nós mulheres? Essa entrevista foi muito infeliz, tem a podcaster sendo machista apoiando as falas do Caio Castro quando insinua que mulher é interesseira “tu não é minha filha” ele diz sobre achar que está sustentando uma mulher em um date, enquanto a própria podcaster diz que quem normalmente não costuma pagar a conta por sempre esquecer a carteira em casa é o próprio Caio Castro.
Dá para entender que ele está falando da vida dele e das relações dele, mas as falas dele possuem um peso. Ele é um cara famoso, se ele diz isso, acaba ratificando essa ideia de que mulher é interesseira e quer ser sustentada por homem. Péssimo.
– Será que mulheres são interesseiras?
Todo relacionamento é baseado em interesses e trocas. Se você está com alguém é porque você tá dando algo e também recebendo, seja amor, companhia, sexo, carinho, atenção, beleza, amizade… se uma mulher tá com você pelo dinheiro, vamos refletir… é a mulher que é interesseira ou é você que é desinteressante, chato, machista, sem habilidades sexuais e não tem nada mais do que dinheiro pra oferecer? Na verdade, essa suposta interesseira está te fazendo um favor em te querer quando a única coisa boa que você tem pra oferecer é dinheiro e ela tá aceitando. Já que você não quer ficar sozinho e ela está te dando companhia em troca, agradeça-a. E se você não gosta de ter uma mulher interessada pelo seu dinheiro, então melhore, cresça, amadureça, evolua seja uma pessoa interessante pra ter algo mais a oferecer. Por trás de uma interesseira sempre tem um macho desinteressante.
Uma outra questão importantíssima é que em uma relação, o que rege são os acordos, não dá para impor um tipo de pagamento de conta para todos os casais se cada um é diferente do outro. Eu, por exemplo, tive um marido que eu sustentava (eu e a mãe dele, duas mulheres) porque o bonito (nem era bonito) queria fazer coisas em sua carreira profissional que não permitiam que ele ganhasse o quanto precisava para manter o padrão de vida que queria. Isso era errado? Pode até ter sido, mas foi o acordo que fizemos, então é um problema nosso. Também tive um namorado que morou na minha casa por 4 anos e nunca pagou um aluguel, isso foi errado? Nesse caso foi porque eu vivia pedindo para ele dividir as contas da casa e ele simplesmente dava uma de doido.
Mas o que quero dizer com essas histórias é que se uma mulher tem um acordo com seu companheiro(a) para que um ou outro(a) pague a conta, são acordos que fazemos em relacionamentos e só quem pode julgar isso são os interessados. Se for um primeiro encontro, algo esporádico, paga quem se sentir bem com isso, pagar uma conta não é sustentar ninguém, é uma gentileza, faz quem quer.
Caio Castro, em vez de ficar falando besteira na internet, cumpra sua função social de ser bonito calado, a gente gosta mais de você assim.
Me acompanhem no Instagram @priscilawerton
Beijos e até.
@priscilawerton é médica, feminista e defensora do SUS