Em junho de 2021, o semanário oficial da Prefeitura de João Pessoa publicou a Lei Complementar 134, que que isentava em 50% o pagamento do ISS (Imposto Sobre Serviços) pelas empresas concessionárias de transporte coletivo municipal rodoviário de passageiros.
Em janeiro desse ano, o Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, lançou uma pesquisa sobre as cidades que pagaram subsídio a empresas de transporte coletivo para o serviço não parar durante a pandemia da Covid-19. Ao todo foram 122 municípios que, juntos, podem ter ultrapassado R$2,8 bilhões em investimentos.
A princípio, a isenção em João Pessoa deveria ser temporária, com validade de 1º de junho a 30 de novembro do mesmo ano. Em dezembro de 2021, a Lei Complementar 142 prorrogou a isenção por mais 12 meses. As informações foram coletadas por meio da API do Querido Diário, iniciativa da Open Knowledge Brasil para disponibilizar os Diários Oficiais de 12 capitais brasileiras
Como contra partida, as empresas de transporte público em João Pessoa deveriam garantir: o retorno integral da frota (que foi reduzida no período da pandemia); novos veículos incorporados à frota, com ar condicionado e wi fi; gratuidade para usuários idosos e PcD, e meia entrada para estudantes. E mais: de acordo com a pesquisa do Idec, que você pode conferir nesse link, a garantia de que não haveria aumento nas passagens de ônibus.
Um ano depois da publicação da Lei de Isenção, as empresas continuam recebendo 50% de isenção nos impostos, mas das contrapartidas exigidas, apenas uma delas segue sendo cumprida: gratuidade para usuários idosos e PcD e meia entrada para estudantes, previstos na Lei Federal nº 10.741/03, e Lei Municipal respectivamente.
No caso dos PcD’s (pessoas com deficiência), a gratuidade no transporte público não garante inclusão: as poucas unidades com plataformas elevadoras, destinadas a PcD e pessoas com mobilidade reduzida não funcionam e os usuários chegam a esperar até 4h por um por um veículo com acessibilidade.
Promessa de campanha do então candidato Cícero Lucena, a qualidade no transporte público de João Pessoa só piorou.
Além da isenção, mesmo sem cumprir integralmente as contrapartidas, as empresas de transporte coletivo de João Pessoa receberam mais um incentivo financeiro. Em fevereiro de 2022, o Conselho de Mobilidade Urbana da capital aprovou o reajuste de 6% nas passagens de ônibus. Custando R$ 4,40, a passagem em João Pessoa é a terceira mais cara entre as capitais do Nordeste. A mais cara, em Salvador, custa R$ 4,90, mas com uma ressalva: enquanto Salvador conta com uma população de 2.886.698 de habitantes (de acordo com o censo de 2020), João Pessoa possui quase 3 vezes menos: 817.511 pessoas.
Para quem depende do transporte público, as promessas de retorno da frota não passaram do papel. Estudantes do período noturno das Universidades públicas e privadas estão sendo especialmente prejudicados.
“Minha aula presencial na universidade acontece toda quinta-feira. Mas a dificuldade de conseguir um ônibus depois da aula é tão grande que a professora da disciplina resolveu encerrar a aula mais cedo. Muita gente apelava pra aplicativo, mas mesmo assim tava complicado”. O relato é de Geovana Pessoa, que cursa arquivologia na Universidade Federal da Paraíba.
João Victor Cavalcanti, que cursa Turismo no período noturno na UFPB, já se preocupava antes mesmo do início das aulas. “A linha que eu uso, 003 Jaguaribe, já não passava mais depois das 19h”. Depois de algumas reclamações dos usuários da linha, a SEMOB colocou mais uma viagem, com último ônibus saindo às 21h.
“Para um estudante da UFPB que necessita pegar um ônibus da linha 003, a mudança foi inútil já que o período corrente de aulas vai até às 22h. Se fosse seguido rigorosamente o horário de aulas, quando eu pudesse chegar no terminal de Integração já haveria passado o ônibus para o bairro de Jaguaribe a pelo menos 1 hora atrás”.
João Victor afirma que foi preciso alterar sua rotina e assim, se colocar em risco. “Preciso pegar qualquer ônibus que vá para o Centro, descer no bairro da Torre e ir a pé para o bairro de Jaguaribe. Ando por mais de 15 minutos por uma rua pouco iluminada e temendo ser assaltado. Infelizmente está é a única solução, voltar a pé por não ter ônibus depois do horário de saída dos estudantes da UFPB das aulas. E o pior é que esse problema não é só meu”.
Um outro benefício dos usuários, a Integração Temporal, também está sendo prejudicado pela demora dos ônibus. Com a pandemia, a prefeitura implantou o sistema de integração temporal: os usuários precisam do cartão de passagem para garantir a gratuidade do segundo embarque em qualquer lugar da cidade, desde que a troca de uma linha para outra seja feita em um intervalo de até 60 minutos. Com a longa espera, esse benefício deixa de existir.
A renovação da frota de ônibus em João Pessoa é um problema antigo, que passa por várias gestões sem solução.
De acordo com dados do Denatran, entre 2014 e 2021, a frota de ônibus em João Pessoa passou de 2.403 para 2.469 veículos. Desse total, apenas 455 contemplam transportes coletivos e possuem uma idade média de 7/8 anos. E existem apenas duas empresas concessionárias: a Unitrans, com as linhas Transnacional e Reunidas; e a Nossa Senhora dos Navegantes, com as linhas São Sebastião, Nossa Sra. Aparecida, Marcos da Silva, São Jorge e Santa Maria. Desde a pandemia, a frota foi reduzida, e não há sinais de que ela tenha retornado.
Esta reportagem foi produzida com apoio da Open Knowledge Brasil e contou com o uso do Querido Diário, ferramenta de inovação cívica criada para abrir e integrar os diários oficiais. A iniciativa reúne coletivos e agências de jornalismo independentes de diferentes regiões do Brasil para difundir a importância das informações públicas contidas nesse tipo de publicação.