Instituto Sou da Paz lança a Agenda Prioritária de Segurança Pública para Governos Estaduais, com diretrizes para diminuir a violência e fortalecer o trabalho das polícias
A segurança é uma prioridade da população brasileira e depende muito dos governos dos estados. Mas, na maioria deles, o cenário hoje é de redução de receitas e defasagens de efetivos, salários, técnica e de infraestrutura. Diante de tantos desafios, vemos muitos candidatos adotarem propostas populistas e sem lastro na realidade. Uma política de segurança efetiva precisa estar pronta para emergências e ser capaz de lidar com questões estruturais. É necessário otimizar recursos e aumentar a capacidade da polícia investigar e agir com inteligência para evitar que mais crimes aconteçam.
O Instituto Sou da Paz, que tem mais de 20 anos de experiência no estudo e formulação de políticas públicas de segurança, defende que todos os governos estaduais invistam em quatro pilares estruturais que têm potencial de preencher lacunas profundas e transformar o patamar de qualidade da nossa segurança. Eles são: Modelo Integrado de Controle de Armas, Investimento em Esclarecimento de Homicídios, Programas de Gestão para Resultados na Segurança Pública e Profissionalização do Uso da Força e Redução da Letalidade Policial.
Para Natália Pollachi, coordenadora deste projeto, grande parte dos candidatos aos governos estaduais ainda não têm falado sobre as duas primeiras diretrizes, que são aumentar a capacidade das polícias combaterem o tráfico e uso ilegal de armas de fogo e investir na elucidação de homicídios. “Os outros dois temas já circulam nas candidaturas de 2022, só que precisam ser melhor qualificados: gestão para resultados – que muitas vezes fica reduzida ao pagamento de bônus, mas precisa seguir boa metodologia na escolha das metas, do acompanhamento e recompensa; e a redução da letalidade – que tem sido discutida especialmente pelo uso de câmeras corporais, mas precisa ser parte de uma política maior de profissionalização no uso da força pelas polícias“, diz.
É importante lembrar que este projeto não se destina apenas aos candidatos ou equipes de campanha, mas sim a todas as pessoas que buscam mais segurança – pesquisas de opinião atuais mostram que esse sentimento está em mais da metade dos brasileiros. “Queremos dialogar com a população para mostrar que segurança pública é muito mais do que “polícia na rua e prisão”. Queremos qualificar esse debate mostrando propostas práticas e realistas para esse novo ciclo de governo estadual. Queremos que as pessoas sejam capazes de entender as propostas e de cobrar seus candidatos“, completa Carolina Ricardo, Diretora-Executiva do Sou da Paz.
A seguir, nossas diretrizes com detalhes da segurança na Paraíba.
- Modelo integrado de controle de armas
76% das mortes violentas no Brasil são cometidas com armas de fogo[i]. A legislação quanto aos registros, posse e porte de arma é federal, mas são os governos estaduais que lidam com as armas irregulares no dia-a-dia. Nos últimos anos, uma série de medidas do governo federal fez os arsenais privados mais que duplicarem no país. Historicamente, 95% das apreensões são feitas pelas polícias dos estados[ii], que detêm também as informações sobre essas armas, as dinâmicas de apreensão e são responsáveis pela custódia e gestão dos próprios acervos bélicos.
No Brasil, apenas dois estados têm delegacias especializadas em armas, munições e explosivos, que são RJ e ES. Nos estados sem uma equipe específica para combater o tráfico e uso ilegal de armas, as apreensões acabam acontecendo a partir de outras ações e não são suficientes para reduzir a violência armada.
A Paraíba apreendeu 3.502 armas de fogo em 2021, mas não tem uma equipe dedicada a investigá-las e entender sua origem[iii]. Por isso, sugerimos as medidas abaixo:
– Produzir dados estratégicos a partir de relatórios com informações padronizadas de armas apreendidas;
– Criar delegacia especializada em combate ao tráfico de armas e munições;
– Aumentar a cooperação com outras Secretarias de Segurança Pública, a Polícia Federal e o Exército;
– Promover a custódia segura de armas e munições, com controle de acesso, lacre e sistema de registro, além de agilizar a destruição após decisões judiciais.
- Investimento em Esclarecimento de Homicídios
Em 2019, mais de 39 mil pessoas foram vítimas de homicídio doloso no Brasil. Apenas 37% dos casos tiveram os autores identificados pela polícia e foram denunciados pelo Ministério Público. Este índice é 6% menor que o de 2018, quando mais de 48 mil pessoas foram mortas em homicídios dolosos e 44% dos casos tiveram os autores identificados[iv].
Na Paraíba, o Índice de Esclarecimento de Homicídios, em 2021, foi maior que a média do país, com 41% dos casos elucidados[v]. Um desempenho considerado médio de acordo com a metodologia do estudo. O melhor resultado foi de Rondônia, com 90% das mortes com autores denunciados e os piores foram Amapá e Rio de Janeiro, com 19%. Oito estados não mandaram dados consistentes e não puderam ter o índice calculado.
Quando muitas mortes violentas não são elucidadas, cria-se uma sensação de impunidade e as famílias das vítimas ficam sem os direitos à verdade e à memória atendidos. Além disso, a falta de informações sobre os autores, motivos e dinâmicas dos homicídios torna impossível desenvolver políticas públicas de prevenção e otimização do uso de recursos públicos.
No país, dois dos problemas mais frequentes são a falta de delegacias exclusivas para a investigação de homicídios, crimes que têm características próprias, e uma grande dependência de provas testemunhais. Por isso, para dar mais respostas à sociedade, é necessário:
– Criar mais unidades especializadas em investigação de homicídios com normas de boas práticas;
– Sistematizar informações e informatizar os inquéritos policiais;
– Aumentar a sinergia entre policiais militares, policiais civis, guardas civis, peritos e promotores de justiça;
– Produzir dados padronizados, com perfis de vítimas, autores, motivações, locais mais frequentes e armas usadas.
- Programas de gestão para resultados na segurança pública
Hoje, onze estados brasileiros têm programas de gestão. É pouco, mas em 2016, apenas oito estados possuíam essa diretriz[vi]. Sem um objetivo bem definido e sem indicadores do trabalho da polícia, é bastante complicado medir resultados e traçar metas para o futuro. Muitas polícias ainda têm foco em indicadores operacionais, como quantidade de prisões e abordagens, mas não em redução criminal. Por isso, é importante criar ou fortalecer planejamentos completos de gestão para resultados, como o programa Paraíba Unida pela Paz. Mas, é possível evoluir ainda, com essas iniciativas: (o estado da PB já não tem essas metas abaixo?)
– Traçar metas fundamentadas e com foco em redução de crimes violentos;
– Priorização política das metas por parte do governador;
– Ações para reconhecer bons profissionais, como cerimônias públicas;
– Sustentabilidade no longo prazo: fazer reuniões de acompanhamento periódicas e avaliar a possibilidade de pagamentos de bônus financeiros.
- Profissionalização do Uso da Força e Redução da Letalidade Policial
Em 2021, cerca de 17 pessoas por dia foram assassinadas por agentes do Estado. Elas somam 13% de todas as mortes violentas no Brasil, um percentual acima do aceitável por todas as métricas internacionais. As vítimas são principalmente homens (99%), negros (84%) e jovens de até 29 anos (74%)[vii].
Na Paraíba, as mortes decorrentes de intervenção policial, em 2021, representaram 4,4% de todas as mortes violentas no estado. Goiás tem o maior índice, com 30,6% e o DF, o menor, com 2,3%[viii]. A Paraíba está começando a experimentar o uso de câmeras corporais, o que é positivo, mas é preciso ir além.
É necessário reconhecer que as polícias são instituições profissionais em que o uso da força é uma premissa, mas o uso letal da força deve ser tratado como último recurso e sempre em proporcionalidade à ameaça. Também é preciso admitir que policiais são trabalhadores(as) sujeitos a muito estresse e sofrimento, como indicam os casos de suicídio entre policiais que aumentaram 59% entre 2021 e 2020, com 101 vítimas[ix].
As medidas que sugerimos são:
– Reforçar profissionalização e treinamento dos agentes, com adoção de protocolos para uso de equipamentos menos letais, como a arma de incapacitação neuromuscular (taser);
– Reforçar treinamento e responsabilização dos comandantes;
– Criar comissões que investiguem casos de morte de policiais ou por policiais com transparência, além da investigação criminal, para minimizar novos casos;
– Investir em Corregedorias independentes para punir casos de abusos;
– Manter e/ou aumentar o uso de câmeras em uniformes de policiais;
– Criar sistema de saúde mental para policiais;
– Regulamentar uso de redes sociais, onde ocorrências truculentas têm sido monetizadas, gerando conflito de interesses.
[i] 56% dos roubos e quase 80% dos roubos de veículos no país são cometidos com uso de arma de fogo, segundo a última pesquisa nacional de vitimização. CRISP (2013), “Pesquisa nacional de vitimização – questionário SENASP” (pp. 124; 78)
[ii] Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020 e Levantamento do Sou da Paz com dados da PF e PRF de 2019
[iii] Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2022
[iv] Onde Mora a Impunidade? 2022. Instituto Sou da Paz
[v] Onde Mora a Impunidade? 2022. Instituto Sou da Paz
[vi] https://soudapaz.org/wp-content/uploads/2019/11/balanco_da_gestao_publica.pdf
[vii] Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2022
[viii] Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2022
[ix] Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2022