A Lei 14.192/21, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, entrou em vigor apenas em agosto do ano passado. Por ser uma lei recente, ainda carece de mecanismos que possam garantir a proteção das mulheres e por consequência, a punição dos seus agressores.
A punição efetiva de violência política de gênero foi tema do Seminário sobre Violência Política contra a Mulher, promovido pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados no último mês de junho. Coordenadora da bancada feminina, a deputada Celina Leão (PP-DF) destacou que, mesmo com a aprovação de leis importantes, há dificuldade de implementá-las. Segundo ela, dentro do próprio Congresso Nacional a violência política acontece e não é punida.
“Nós já fomos chamadas de histéricas, de portadoras de vagina, dentro deste Congresso. Se isso não for violência política, o que seria violência política? Nós precisamos ter o primeiro caso no Brasil de punição de violência política, para dar o exemplo para milhares de pessoas que ainda têm esse comportamento no Brasil”, afirmou.
Em maio de 2022, o Maranhão foi o primeiro estado do Brasil a ter um caso de violência política de gênero denunciado pelo Ministério Público e recebido pela Justiça Eleitoral. O fato aconteceu em 6 de outubro de 2021, durante a sessão plenária da Câmara Municipal de Pedreiras, quando o vereador Emanuel Nascimento (PL), durante uma discussão com a vereadora Katyene Leite (PTB), arrancou de forma violenta o microfone das mãos, impedindo-a de falar.
Quatro vereadoras do município Lábrea, no sul do Amazonas, foram vítimas de violência política de gênero no dia 18 de maio, durante a votação da nova Mesa Diretora da Câmara Municipal. A Casa tem 13 vereadores eleitos, sendo oito homens e cinco mulheres. As parlamentares Lícia André Gomes (MDB), Greice Damasceno, Andrea Corrêa e Brígida Campos (todas do PSC) formaram a única chapa para concorrer à direção dos trabalhos legislativos e administrativos da instituição. Os vereadores se recusaram a votar nas quatro mulheres e boicotaram a sessão que elegeria, pela primeira vez na história do Amazonas, uma diretoria feminina.
No início de julho de 2022, a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE) no Rio de Janeiro, órgão do Ministério Público Eleitoral, apresentou denúncia contra o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB-RJ) por violência política de gênero em razão dos ataques transfóbicos feitos contra a vereadora Benny Briolly, de Niterói. As ofensas aconteceram em maio.
No dia 16 de agosto desse ano, o Ministério Público Eleitoral da Paraíba denunciou o candidato a deputado estadual Célio Alves (PSB) por violência política de gênero praticada contra a deputada estadual e candidata à reeleição, Camila Toscano (PSDB). Em uma entrevista a um programa de rádio, ele desqualifica a parlamentar e afirma que ela acha que ser deputada “é mostrar a cor do cabelo, o tom da maquiagem, se a roupa está bonita ou não, distribuir sorrisos e dizer que é uma alegria estar aqui”. Por coincidência, Camila Toscano é autora da Lei 12.247/2022, que cria a Política de Enfrentamento ao Assédio e à Violência Política contra Mulher na Paraíba.
A Lei 14.192/21 veio como uma resposta à décadas de crimes de gênero nos espaços políticos, e que não sofreram punição.
Em 2014, ainda quando era deputado, o atual presidente Jair Bolsonaro disse que Maria do Rosário (PT-RS) “não merece ser estuprada porque é muito feia”. A legislatura acabou, e o mérito do caso não foi julgado.
No ano seguinte, o conselho arquivou processo contra o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que disse à deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) que “mulher que bate como homem tem de apanhar como homem”. Na ocasião, Fraga disse que não cabia desculpas e “apanhar” não era alusão à agressão física contra mulheres.
O Conselho de Ética e Decoro da Câmara dos Deputados, criado há 21 anos, nunca puniu um único caso de violência contra parlamentares mulheres. O levantamento, realizado pela pesquisadora Tássia Rabelo, doutora em ciência política e professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), também aponta que nas últimas duas décadas, o colegiado analisou apenas nove casos e todos foram arquivados.
Tássia também aponta que a ausência de mulheres em espaços de tomada de decisão contribui para a ideia de que a política não é um lugar destinado à participação feminina, elemento que, combinado a expressões de violência política que menosprezam as mulheres que possuem atuação política, perfaz um quadro que desincentiva outras mulheres a construir uma carreira política. Você pode ler o artigo clicando aqui.
O processo eleitoral de 2022 será o primeiro em que será considerado crime de assédio, constrangimento, humilhação, perseguição e ameaça de uma candidata ou a uma política já eleita. Ainda estabelece que é ilegal atuar com menosprezo ou discriminação à condição de mulher, sua cor, raça ou etnia. A punição é de até quatro anos de prisão e multa. Se a violência ocorrer pela internet, a pena é mais dura, podendo chegar a seis anos.
A Lei 14.192/21 é um mecanismo importante na proteção das mulheres nos espaços políticos, mas ela sozinha não garante que as violências não irão ocorrer. O papel dos Ministérios Públicos em denunciar e apurar os possíveis crimes será primordial na garantia de um processo eleitoral democrático e com equidade.
O Tribunal Superior Eleitoral disponibiliza um canal de denúncias. Ao clicar no link abaixo, você pode fazer sua denúncia diretamente ao Ministério Público Eleitoral, instituição que tem as funções de apurar e de dar início aos processos criminais de violência política contra as mulheres.
Taty Valéria