Os Conselhos Tutelares de todos os municípios paraibanos devem contactar a Fundação Nacional do Índio (Funai) sempre que encontrarem crianças e adolescentes indígenas refugiados venezuelanos da etnia Warao em circunstâncias que demandem a adoção de medidas protetivas de quaisquer naturezas. Nas situações de risco de criança ou adolescente da etnia Warao, deve ser assegurado, com o auxílio da Funai, a presença de um antropólogo durante o atendimento. As medidas foram recomendadas pelo Ministério Público Federal (MPF) à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (SEDH) para que, durante o atendimento e adoção de medidas necessárias pelos conselheiros, sejam respeitadas as diferenças étnicas, culturais, o modo de vida e a visão de mundo dos Warao. A SEDH deve notificar todos os municípios da Paraíba e seus respectivos Conselhos Tutelares.
O MPF também emitiu recomendação à Coordenação Regional da Funai, em João Pessoa, para que acompanhe todos os procedimentos de proteção de crianças e adolescentes da etnia Warao, com a participação de antropólogo de seu quadro, ou recrutado por meio de parceria com outros órgãos públicos, como a Universidade Federal da Paraíba, ou ainda com antropólogos voluntários. O objetivo é que o antropólogo preste auxílio técnico nos casos que envolvam crianças e adolescentes em situação de risco prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.
Conforme a recomendação, a Funai deve disponibilizar telefone para contato, inclusive em regime de plantão, para atendimento especial aos Conselhos Tutelares e outros órgãos de proteção, especialmente para possibilitar a comunicação de casos de crianças e adolescentes da etnia Warao em situação de risco prevista no ECA. Nesses casos, deve haver imediata adoção de providências, sempre considerando a cultura, a cosmovisão e a forma de pensar e agir dos indígenas refugiados. A Funai ainda deve prestar assistência jurídica às crianças e adolescentes indígenas Warao, especialmente a adoção de medidas de proteção, articuladas com os Conselhos Tutelares, demais órgãos de proteção e com o Ministério Público, para garantir respeito às diferenças étnicas e culturais em casos que envolvam crianças e adolescentes indígenas Warao em situação de risco prevista no ECA.
As recomendações foram feitas à pasta de Desenvolvimento Humano do governo estadual e à Coordenação Regional da Funai, em João Pessoa, na sexta-feira (9/9). Em ambas, o Ministério Público Federal abriu prazo excepcional de dez dias, para que informem se acatam e se providenciarão as medidas recomendadas. O não acatamento pode gerar medidas judiciais e extrajudiciais nas esferas cível e criminal.
“Fizemos as recomendações diante da necessidade de que a ação estatal sobre os Warao sempre venha acompanhada de uma compreensão intercultural e a Funai possui indigenistas especializados em conduzir diálogos com a compreensão necessária e o respeito à cultura desse povo”, frisou o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza. Os indígenas venezuelanos se comunicam na língua Warao e apenas alguns conseguem dialogar em espanhol. Pouquíssimos falam português.
Povo da água – Os refugiados Warao chegaram à Paraíba entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020 e estão abrigados em alguns municípios como João Pessoa, Campina Grande, Guarabira, Patos e Cajazeiras. Warao significa “Povo da água” na língua nativa. São um grupo étnico constituído originalmente há mais de oito mil anos na região do delta do rio Orinoco e têm a pesca como elemento muito forte da sua cultura. O grupo que está na Paraíba veio para o Brasil fugindo da crise humanitária na Venezuela, se deslocando quase sempre em situações precárias e sem as devidas condições de higiene e alimentação. Para garantir a sobrevivência, ainda na Venezuela, os Warao desenvolveram a prática de pedir doações nas ruas das cidades para onde migraram, por remoção forçada, em decorrência dos vários impactos negativos causados por empreendimentos do setor petroleiro na fauna e na flora da região em que originalmente habitavam. Desde que chegaram ao estado, pelo menos, sete crianças Warao já faleceram vitimadas por pneumonia, tuberculose e sepse (infecção generalizada). Imagem: Indígenas Warao que vivem no Curuçambá, no município de Ananindeua (PA), remam um barco doado pelo Acnur – Foto de Victoria Hugueney
A Constituição Federal de 1988 reconhece aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e compete à União proteger e fazer respeitar todos os bens dos povos indígenas. O Estatuto do Estrangeiro garante a proteção integral e atenção ao interesse da criança e do adolescente migrante. A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, realça a importância da autoidentificação como critério fundamental para a definição dos povos indígenas. A Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas dispõe que os indígenas e não serão submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência, incluída a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
Íntegra da recomendação à SEDH
Íntegra da recomendação à Funai