Estuprada e grávida pela segunda vez, menina de 11 anos tem direito ao aborto legal negado

By 12 de setembro de 2022Brasil, Justiça, Machismo mata

Quantas violências uma criança é capaz de suportar em nome de uma fé doentia e desumana?

Em janeiro de 2021, uma menina de apenas dez anos de idade foi estuprada por um primo num matagal em Teresina, Piauí. A gravidez foi descoberta aos dois meses de gestação, e mesmo com o amparo legal para a interrupção, a mãe da menina não autorizou o procedimento.

O primo que a estuprou foi assassinado pouco tempo depois por motivos que a família diz desconhecer.

Desde que o filho nasceu, a menina abandonou a escola, se nega a ter tratamento psicológico e vive um conflito com os pais. O bebê está sendo criado pela avô.

Pouco mais de um ano depois de ter sido estuprada e forçada a manter a gravidez, a menina, hoje com 11 anos, está novamente grávida. Exame realizado nesta sexta-feira (9) no Serviço de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência, da Maternidade Dona Evangelina Rosa, em Teresina, constatou que a menina está grávida de três meses.

Há cerca de um mês, ela passou a viver em um abrigo em Teresina e educadores do local desconfiaram de que ela estaria novamente grávida.

“Ela estava sem menstruar, arredia e com comportamentos suspeitos. Levamos na maternidade para fazer exame e foi constatado que ela está grávida de três meses. Foi um susto, um choque”, disse a conselheira tutelar Renata Bezerra, do núcleo da zona sudeste de Teresina, que acompanha o caso.

Segundo a conselheira, o pai defendeu que a menina fizesse um aborto legal, mas a mãe não autorizou. Por isso a interrupção da gravidez não foi realizada na maternidade Dona Evangelina Rosa.

A menina já vive um trauma da primeira gravidez, não tem condições de cuidar de mais uma criança. Ela está sem dormir, perdendo sua infância. Mas a mãe não autorizou o aborto“, disse Renata Bezerra.

A mãe da menina disse que soube há uma semana que a menina foi violentada por um tio.

“Fiquei sem chão quando soube, indignada. Ela estava morando com o pai, na casa da avó, e o tio que a estuprou estava dormindo no mesmo quarto que ela”, disse a mãe. Ela ainda afirmou que não autorizou a interrupção da gestação porque “aborto é crime”.

O primeiro filho da menina está sob os cuidados do avô. Segundo a conselheira tutelar, ele solicitou uma cesta básica para poder alimentar o neto, pois está desempregado e mora com mais cinco pessoas.

O estupro está sendo investigado pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente. O suspeito do crime continua solto, segundo familiares.

A única renda fixa da mãe, que está desempregada, são os R$ 600 do Auxílio Brasil.

OUTROS CASOS

O tema do acesso ao aborto legal por crianças vítimas de violência sexual voltou à tona em junho deste ano, quando reportagem do site The Intercept Brasil revelou que uma menina de 11 anos foi induzida a desistir do procedimento após ser questionada por uma juíza se “suportaria” manter a gestação “mais um pouquinho” —a menina estava na 22ª semana de gravidez. Após a repercussão da reportagem, a criança conseguiu realizar o procedimento.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente, no entanto, mostram que esses casos são apenas exemplos de uma situação muito mais grave: ao menos 30.553 meninas de até 13 anos foram estupradas em 2021, de acordo com o levantamento. Incluídos os meninos da mesma faixa etária, são 35.735 registros de violência sexual em um ano.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública reuniu os dados a partir de consultas com os governos de todas as unidades da Federação sobre registros de ocorrências em delegacias. Para os crimes de estupro em geral, houve um aumento de 4,2% em relação a 2020. Crianças e adolescentes de até 13 anos, incluindo gênero feminino e masculino, representam 61,3% do total de vítimas —em 2020, o índice foi de 60,6% e, em 2019, de 57,9%.

Em agosto de 2020, outro caso ganhou destaque. Uma menina de dez anos, grávida após ser estuprada por um tio, precisou sair do Espírito Santo, onde morava, para conseguir fazer um aborto no Recife. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou demover a avó da criança da ideia do procedimento.

Em junho de 2022, uma menina de 11 anos, também grávida, quase teve o direito ao aborto legal negado por ordem de uma juíza e de uma promotora em Santa Catarina. Além de negar o procedimento, as duas mulheres ainda sujeitaram tanto a menina, quanto sua mãe, à um interrogatório vexatório e violento.

Se nem a família e nem a justiça protegem nossas meninas, quem irá fazê-lo?

com informações da Folha de São Paulo

 

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