A violência contra mulheres passa por uma mudança cultural e estrutural; e nenhum governo dará conta disso sozinho

Na noite desta segunda-feira (23), uma mulher foi assassinada no município de Conde, região Metropolitana de João Pessoa. O principal suspeito é o marido, que cometeu o feminicídio na frente dos filhos, entre eles, um bebê. O suspeito segue foragido.

De acordo com dados do Anuário de Segurança Pública relativos ao primeiro semestre de 2022 4 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, por dia. Na Paraíba foram notificados no mesmo período, 17 feminicídios. Já em relação ao crime de estupro, nosso estado atingiu um patamar indigesto: aumento de mais de 110% de notificações  no 1º semestre de 2022; o maior índice da região Nordeste.

Esses dados são aterradores e sempre suscitam um mesmo questionamento: O que o governo está fazendo? Qual o papel das políticas públicas para evitar que as diversas formas de violências atinjam de forma tão dramática, as mulheres paraibanas?

É preciso saber diferenciar o papel de cada um nessa questão.

De acordo com as Diretrizes da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, publicado em 2011 durante o mandato da presidenta Dilma Rousseuf, é papel do Estado:

  • Garantir o cumprimento dos tratados, acordos e convenções internacionais firmados e ratificados pelo Estado Brasileiro relativos ao enfrentamento da violência contra as mulheres;
  • Reconhecer a violência de gênero, raça e etnia como violência estrutural e histórica que expressa a opressão das mulheres e que precisa ser tratada como questão da segurança, justiça, educação, assistência social e saúde pública;
  • Combater as distintas formas de apropriação e exploração mercantil do corpo e da vida das mulheres, como a exploração sexual e o tráfico de mulheres;
  • Implementar medidas preventivas nas políticas públicas, de maneira integrada e intersetorial nas áreas de saúde, educação, assistência, turismo, comunicação, cultura, direitos humanos e justiça;
  • Incentivar a formação e capacitação de profissionais para o enfrentamento à violência contra as mulheres, em especial no que tange à assistência;
  • Estruturar a Redes de Atendimento à mulher em situação de violência nos Estados, Municípios e Distrito Federal.

Até a efetivação do golpe de 2016, o estado da Paraíba tentou colocar em prática essas diretrizes. Desde o golpe, e especialmente, com a ascensão do bolsonarismo ao poder, as coisas fugiram totalmente de controle, aliado à diminuição significativa das ações locais, seja por conivência, falta de recursos, ou simples incompetência. Mas não é, necessariamente, sobre isso que trata esse artigo.

Já falamos muito sobre a catástrofe da ideologia bolsonarista na vida das mulheres e crianças brasileiras e com a nova reestruturação do Ministério da Mulher e a escolha de Cida Gonçalves para assumir a pasta, é crível que a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres seja novamente colocada em prática em todo território nacional.

Mas existe um ponto nevrálgico que permeia toda e qualquer violência cometida contra mulheres: a cultura machista. Sim, é um ponto batido e debatido, ninguém aguenta mais falar sobre isso, sabemos o que isso significa. Ou não, não sabemos.

Não há lei, política, vigilância, monitoramento e punição que consigam dar garantias reais que uma mulher não será estuprada, que não irá apanhar ou que não será assassinada na frente dos filhos. Não há viatura policial que impeça um crime cometido dentro de casa. Não há governador, secretário, prefeito, deputado ou vereador que consiga garantir que um homem abuse sexualmente de sua própria filha. Deixando bem claro que não estou aqui tentando diminuir a responsabilidade desses poderes ou dessas pessoas. Eles são responsáveis sim! Especialmente quando endossam publicamente um discurso de ódio contra as mulheres. Quando não capacitam seus agentes públicos para acolher as vítimas; quando se isentam de investigar denúncias; quando omitem dados; quando tentam silenciar  ou criminalizam os movimentos sociais; quando não investem em redes de apoio e acolhimento… A lista de responsabilidades do poder público é imensa. Mas, repito, esse não é o ponto.

O ponto é que o problema da violência contra mulheres passa por uma gigantesca mudança cultural e estrutural. Não é algo que um governo consiga resolver em 4 ou 8 anos, por mais boa vontade e recursos que tenham disponíveis.

A mudança no quadro que vivemos hoje só se dará daqui a muitas gerações. Começando de agora! Nas escolas, em casa, nos locais de trabalho, na vida cotidiana, na nossa própria percepção sobre gênero e discurso midiático e no nosso próprio cotidiano. Na forma como criamos nossos filhos e filhas e de como tratamos as mulheres que não são da nossa família.

Eu não quero que as cadeias se encham de estupradores e feminicidas. Depois que uma menina é estuprada e depois que uma mãe é assassinada, a punição serve como uma prestação de contas social. A verdadeira justiça, quando feita, não traz de volta a paz de um corpo violado ou uma mãe de volta ao convívio da família.

O que eu quero é que os estupros e feminicídios parem de ocorrer. E eles não vão parar enquanto o poder público e a sociedade cheguem à um denominador que inclua a responsabilidade de cada um nesse processo.

 

Taty Valéria

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