O escândalo da empresa de investimentos Braiscompany já está na mídia. Em resumo, clientes eram atraídos para investir muito dinheiro com promessas de rendimentos de até 10%. Clientes estão sem receber os rendimentos, muita gente perdeu as economias de uma vida inteira, outros fizeram empréstimos e o dono da Braiscompany, Antonio Neto Ais, se limitou a fazer uma live em seu instagram na noite desta terça-feira (7) explicando absolutamente nada, culpando a imprensa e tentando convencer novos clientes a apostarem na empresa. Você pode ler mais detalhes sobre esse caso aqui, e aqui.
Uma fonte exclusiva, que trabalhou por um curto período na Braiscompany, nos forneceu informações preciosas sobre os bastidores da empresa e seu relato será publicado em duas matérias. A conclusão é que “a maior gestora de criptoativos da América Latina” nunca passou de um grande projeto que só tinha a oferecer lucro baseado em investimentos de altíssimo risco e numa linha muito tênue com a ilegalidade e pelas últimas notícias, esse limite foi ultrapassado. Mas era questão de tempo.
O jovem em questão atuava na área de desenvolvimento, que consistia basicamente em desenvolver aplicativos e produtos que eram apresentados como grandes estrelas da inovação. “A cada 10 dias um novo projeto aparecia e no final das contas, nenhum foi realizado”, disse a fonte, que preferiu manter o anonimato. “É melhor falar que trabalhou num cabaré que falar que trabalhou na Brais”, afirmou o jovem, reforçando que raramente os ex funcionários colocam essa experiência no currículo.
“A gente fazia de conta que trabalhava, não tinha muito o que fazer. Basicamente a gente só seguia o que o nosso gerente falava e participava de umas reuniões de coach. Meu ‘salário’ era 150 reais por semana, em período integral, com 1h de almoço. Na época da pandemia, aconteceram umas reuniões onde Antônio repetia diversas vezes que a covid não era nada mais que a China tentando buscar ser líder de mercado”.
Apesar da pouca carga de trabalho real e do salário ínfimo, os funcionários eram constantemente cobrados por uma produtividade imaginária. “Eles estavam ‘desenvolvendo’ um app para aluguel de patinetes elétricos, que nunca saiu do projeto, mas tinha um patinete na sala de desenvolvimento pra os investidores verem”. Outro projeto que jamais saiu do papel foi a ideia de um drone para fazer entregas de documentos e pequenas encomendas, mas o drone aparece numa publicação da empresa.
Ver essa foto no Instagram
Nossa fonte afirmou que não era permitido deixar a sala de desenvolvimento no escuro, era obrigatório que alguém estivesse sempre por lá, para passar a impressão de que havia muito trabalho. Além da equipe de desenvolvedores, havia a equipe de TI, os traders e os brokers.
Os traders eram encarregados da compra e a venda de criptoativos, e isso implicava passar dia, noite e madrugada analisando e avaliando as oscilações e riscos. Esse time não era bem remunerado, mas podia aumentar de forma significativa seus ganhos desde que levassem novos investidores para a empresa ou vendessem cursos, que eram outro grande capital da Braiscompany, mas vamos chegar lá.
Os brokers (vendedores) eram de fato, as grandes estrelas. Chamados carinhosamente de “calças-curtas” pela baixa patente, era dos brokers a responsabilidade de levar novos investidores e convencê-los a aplicar grandes quantias em dinheiro. Nas palavras da nossa fonte, “a única função deles é tratar os investidores como reis, amaciar o ego do pessoal pra investir”.
Os funcionários também eram orientados a exibir nas telas dos computadores, imagens de gráficos simulados, irreais, e também simulavam reuniões, quando recebiam ordens de usar determinado tipo de roupa.” Pra tirar foto combinando, usando terno preto ou camisa verde, dependia da função”
Ver essa foto no Instagram
Cursos
Os cursos oferecidos pela Braiscompany eram outra fonte de renda. “Energizar para ter uma manhã de trabalhos produtivos, fazer mensagens em post-it pra si mesmo. Era tipo um curso que unia o financeiro, mental, emocional, espiritual”. Antônio Brais “treinava” os cursos com seus funcionários antes de encher o auditório de pessoas que pagavam assistir um… coach.
“Dentro daquela coisa de coach que eles têm, juntaram uma galera pra ir pra um evento em Recife e era muito caro, em torno 5 mil reais. Eles fizeram tipo um consignado pra galera ir e o valor foi descontado do salário em 10 prestações”, a fonte afirma que ninguém foi ‘obrigado’ a ir, mas a pressão foi enorme. “Só não foi pra essa viagem a galera do desenvolvimento mesmo”.
Esquema de pirâmide?
Era só questão de tempo para que o caso da Braiscompany estourasse na mídia. Apesar de Antonio Neto Ais afirmar categoricamente que não se trata de esquema de pirâmide, os antigos clientes tinham seus rendimentos pagos com os recursos dos clientes novos. Além dos cursos de coach, nada era vendido ou produzido pela empresa. “Faz muito tempo gente espera essa bomba estourar. Desde que eu trabalhei lá, tinha b.o com esses pagamentos e a gente sabia como se resolvia: Era só um sócio com mais investimento aparecer”.
“Tinha que ter investidor, eu nunca que ia colocar meu nome com algum amigo ou familiar em coisas assim, preferi ganhar pouco e esperar pela bondade deles em aumentar meu salário, o que nunca aconteceu”, diz o ex funcionário, que saiu da empresa em menos de 1 ano de trabalho.
Treinamento e capacitação
Os brokers (vendedores) não recebiam capacitação profissional sobre o funcionamento do mercado financeiro e de criptomoedas, mas aprendiam como atrair e tratar um possível investidor. Desde como se vestir, que carro dirigir, que lugares frequentar e até a forma de falar determinadas expressões em inglês (um professor chegou a ser contratado com esse objetivo), tudo fazia parte do grande pacote de atributos necessários.
Também fazia parte da ‘capacitação’ dos brokers e demais funcionários, aquilo que a nossa fonte chama carinhosamente de “reunião-palhaçada”. “Um monte de homem barbudo de olhos fechados ouvindo musiquinha de meditação. Uma vez a gente teve que fingir que estávamos marchando feito espartanos e dando gritos de guerra. Era tudo muito vergonhoso, mas eles faziam a gente acreditar que aquilo era normal, e pior, faziam a gente acreditar Antônio era nosso salvador. Chamavam pessoas pra dar depoimentos dizendo como saíram da miséria por conta da empresa”.
“Eu fiquei com tanta vergonha de ter passado por lá, que se eu não precisar responder onde estive trabalhando por aquela época, não falo”.
Taty Valéria