Em setembro de 2020, no distrito de Poço José de Moura, região de Cajazeiras, Pâmela Nascimento, grávida de 5 meses, começou a ser espancada pelo companheiro. Os vizinhos ouviram os gritos de Pâmela e acionaram o SAMU, mas ela já chegou morta ao hospital. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) identificou que Pâmela sofreu pancadas no abdômen, que resultaram em uma hemorragia interna, e teve duas costelas fraturadas. Em setembro de 2022, Hélio José de Almeida Feitosa, marido da vítima, foi condenado a 42 anos de prisão em regime fechado pelo feminicídio de Pâmela Nascimento. Durante as investigações desse crime, a polícia civil constatou que, em fevereiro de 2020, ela já havia sido agredida e sofreu um aborto devido às lesões do espancamento.
Homem que espancou e assassinou companheira grávida no sertão da Paraíba, é condenado a 42 anos de prisão
A vítima já havia sofrido agressões e na noite de sua morte, os vizinhos não chamaram a polícia. Por que Pâmela não procurou ajuda? Por que os vizinhos não chamaram a polícia, não denunciaram? Essas e outras questões estão presentes na pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, realizada pelo Fórum de Segurança Pública com o Instituto DataFolha e patrocinada pela Uber Brasil e divulgada nesta semana. De acordo com os dados, coletados a partir questionários respondidos por 2.017 pessoas em 126 cidades de todas as Regiões do Brasil, 45% das mulheres que sofreram violência relataram que não tomaram atitude alguma após as agressões sofridas. Apesar do número alto, ainda é um pouco menor que os apresentados em anos anteriores – 2017 e 2019 com 52% de mulheres que não tomaram nenhuma atitude.
Para a advogada Ana Beatriz Eufrauzino, advogada criminalista, mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas pela UFPB e presidente da Comissão de Combate à Violência e Impunidade contra a Mulher da OAB-PB, os crimes de violência que acontecem no escopo familiar já são muito sub notificados. “O grande problema é que essa vítima não encontra apoio e quando ela decide pedir ajuda, entra no que chamamos de ‘Rota Crítica’, que é todo o caminho que ela percorre até concretizar uma denúncia e essa rota às vezes começa na própria rede apoio social”. Foi o caso de Isabel*, assistente de marketing que só conseguiu forças para denunciar dois anos após a primeira agressão.
“Ele era um bom pai e nunca deixou faltar nada em casa, mas tinha crises de raiva e ciúme. Eu quis denunciar desde o primeiro empurrão, mas minha família não me apoiou. Não ia conseguir me mudar e sustentar meu filho sozinha, e se ele fosse preso, tudo ia ficar pior”, afirma Isabel. A gota d’água aconteceu quando, durante uma discussão, ele pegou uma faca e a ameaçou de morte. “Liguei no meio da noite e para minha irmã, que foi me resgatar e me levou direto pra Delegacia da Mulher no Geisel. Fiquei abrigada com meu filho na casa da minha irmã esperando a medida protetiva”. No final do processo, ela conseguiu o divórcio e o ex marido não chegou a ser preso, mas se mudou de João Pessoa e hoje ela consegue ter uma vida com mais paz. “Eu só penso que podia ter feito tudo isso antes, e se tivesse ajuda, teria feito”.
Isabel sofria violência doméstica em casa, longe dos olhos da sociedade. Mas será que essa violência seria facilmente identificada por quem via de fora?
Em relação à percepção das pessoas, os dados da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil” também apresentam uma piora significativa: em 2017, 34% dos entrevistados afirmaram não ter presenciado qualquer situação de assédio e/ou violência doméstica contra adolescentes e mulheres; esse número saltou para 48% na pesquisa de 2023. De acordo com a pesquisa, “não é possível afirmar que estes resultados indiquem uma redução da prevalência destas violências, mas é de se considerar a hipótese de que autores estão menos encorajados a se mostrarem agressivos publicamente, e isso explicaria tanto a redução progressiva de testemunhos sobre terem visto violência contra a mulher como a percepção de que esta estaria em queda”.
Psicóloga do Programa Integrado Patrulha Maria da Penha em Campina Grande, Glória Tamires Maciel traz uma observação pertinente. “Percebemos que as pessoas possuem uma melhor compreensão da Lei Maria da Penha e isso fez com que as denúncias aumentassem e notamos também que as mulheres que conseguem denunciar possuem uma rede de apoio, e essa rede também se forma a partir da reflexão e do entendimento do que é violência doméstica, por isso a importância da rede de proteção e das campanhas de conscientização”.
Para a psicóloga, a rede de proteção é fundamental para que essas vítimas se sintam encorajadas a denunciar. “Essas mulheres vem acompanhada de muitas dúvidas, inseguranças, pressão social e precisam de um ambiente em que se sinta segura para falar sobre o que se sente, e que possa compreender quais os mecanismos de proteção que tem direito e pode acessar. A rede de Proteção está apta a reconhecer outras dificuldades e pontos que podem ser utilizados pelo agressor para aquela vítima retorne ao ciclo da violência doméstica. O objetivo principal é fazer com a mulher consiga romper o ciclo de violência e possa seguir sua vida em liberdade”, diz Glória Tamires.
A advogada Ana Beatriz, que também atua como facilitadora do projeto “Repensar: Refletindo Coletivamente a Violência Doméstica e Familiar contra Mulheres” pela Fundação Margarida Maria Alves, reafirma a importância da denúncia. “Se você é vítima de violência doméstica e familiar, denuncie! O estado enquanto federação possui diversos mecanismos de proteção e é primordial que as mulheres conheçam esses mecanismos e possam denunciar”.
Na Paraíba, o atendimento às vítimas de violência doméstica pode ser realizado direto nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher ou pelo Disque 180. Para casos de emergência, a Polícia Militar deverá ser acionada pelo número 190. O Boletim de Ocorrência também pode ser feito de forma virtual no endereço https://www.delegaciaonline.pb.gov.br/
Taty Valéria, matéria publicada no jornal A União