Jornalistas debatem o impacto da cobertura de feminicídios no Brasil

A imprensa brasileira falha ao cobrir casos de violência de gênero, pois reproduz a visão machista da própria sociedade

 

Em 2023 o Brasil obteve o maior número de feminicídios desde o início da contagem, em 2015. Durante esse período, mais de 10 mil mulheres foram mortas. Esses dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública foram trazidos por Natália Rosa, jornalista independente e especialista em Direitos Humanos, mediadora na palestra “O impacto da cobertura do feminicídio no Brasil”, durante o 19° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji. Frente a esses números, mulheres jornalistas se reuniram e destacaram a necessidade do jornalismo abordar a violência contra a mulher.

 

O ponto central da sessão era como fazer isso. Tatyana Valéria, editora e criadora do Paraíba Feminina, está sempre em contato com casos de violência de gênero. Outra questão levantada foi a perseguição que ela sofre por ter uma plataforma que bate de frente com os criminosos, o que chega até a ameaças.

Além de alertar sobre as adversidades da produção, Tatyana ensinou alguns passos para fazer uma boa reportagem de gênero, como ter paciência, manter uma distância emocional segura, obter proteção jurídica e humanizar e preservar a vítima e seus familiares. Para isso, é preciso estar atento ao uso de palavras e imagens que compõem a notícia e podem ser equivocadas ou causar danos às mulheres.

 

Gracielly Bittencourt, repórter da Empresa Brasil de Comunicações (EBC), fez parte da realização da reportagem “Orfãos do feminicídio”, sobre filhos de mães vítimas de feminicídio no Distrito Federal. Segundo ela, o vídeo, que ganhou o prêmio de periodismo Save the Children, tinha o objetivo de trazer à tona e denunciar um problema que é invisibilizado.

 

Durante a produção, Gracielly fala que se deparou com a falta de dados sobre os órfãos, as falhas de órgãos públicos em proteger as mulheres antes do crime final e suas escassas iniciativas de acolhimento. Como repórter, lidar com essas falhas de estado e com a consequência delas não foi fácil: “Posso dizer que essa foi uma das reportagens mais difíceis que eu fiz por conta da carga emocional, porque eram histórias muito difíceis de ouvir”, disse.

 

Ambas as jornalistas disseram que a imprensa brasileira falha ao cobrir casos de violência de gênero, pois reproduz a visão machista da própria sociedade. A falta do uso do termo “feminicídio”, o uso da voz ativa para falar da vítima, colocando-a como culpada do crime, e a romantização do assassinato são alguns dos hábitos misóginos de quem realiza essas notícias.

 

As especialistas destacam a necessidade de o jornalismo respeitar os Direitos Humanos e, portanto, ser contrário aos crimes de gênero: “o jornalismo tem um papel social, não só de informar, mas ele também leva o debate para a sociedade”, disse Tatyana.

 

A cobertura oficial do 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, sob coordenação da OBORÉ e do Conselho de Orientação Profissional do Projeto. Conta com a parceria institucional da Abraji e apoio do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD), da Jornalismo Júnior (ECA-USP) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) – Oficina de Montevideo.

 

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