Dono do bar Bambambã, na Asa Norte, em Brasília, Gabriel Ferreira Mesquita foi condenado a oito anos de prisão por estupro de vulnerável contra uma das 12 mulheres que o acusam de violência sexual.
A reportagem produzida pelo Universa teve acesso à sentença, publicada na última segunda-feira (15). Para a advogada de acusação, Manuela Paes Landim, a recente decisão foi resultado de uma “luta incansável” diante de juízes que, ao longo dos últimos anos, buscaram “relativizar” os casos de estupro relatados por sua cliente e outras mulheres ouvidas no processo.
Procurado, o advogado da defesa de Mesquita, Bernardo Fenelon, afirmou em nota que ele já foi absolvido de outras “injustas acusações”. “Entendemos que houve um grande erro e iremos recorrer ao Tribunal de Justiça para restabelecer a total inocência de nosso cliente”, disse (veja o posicionamento completo abaixo)
Histórico de denúncias e absolvições
Em janeiro de 2020, Roberta*, então com 24 anos, publicou um relato no Facebook: “Faz dois anos, um mês e quinze dias que eu tive uma noite que iria mudar tudo na minha vida”. E narrou um episódio de violência sexual sem detalhes nem nome do agressor, identificando-o apenas como dono do bar que ela frequentava.
Em menos de 24 horas da publicação, a jovem recebeu comentários de mulheres que reconheciam o modus operandi do acusado e relatavam ter passado por situações parecidas, entre 2014 e 2018, com a mesma pessoa: Gabriel Ferreira Mesquita.
“A gente chegou a catalogar cerca de 30 mulheres que passaram por situações parecidas. Duas, inclusive, foram casadas com ele. Uma teve um namoro, e as demais eram todas de encontros casuais”, relatou a advogada Manuela Paes Landim.
Em fevereiro de 2020, doze mulheres se juntaram e denunciaram Mesquita na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher 1 do Distrito Federal. Ele virou réu em cinco casos. Desses, três já tiveram julgamentos. Em dois, ele foi absolvido e o MP-DFT recorreu. No terceiro, cuja decisão saiu nesta segunda, ele foi condenado em primeira instância.
No caso de Roberta e outras duas mulheres que tiveram relações com Mesquita, o Ministério Público atribuiu ao acusado a prática de crime por estupro de vulnerável, conforme exposto na sentença condenatória à qual a reportagem teve acesso.
A tipificação se deu “em decorrência do fato de as vítimas se encontrarem sob o efeito de alguma substância fornecida pelo acusado sem que estas soubessem (…) e em situação que não poderiam oferecer resistência”.
O caso da condenação
Em dezembro de 2017, Roberta aceitou um convite para ir até a casa de Mesquita. Ela havia se tornado “amiga” do empresário e frequentadora assídua do bar do qual ele era dono. Também havia apenas “ficado” com ele uma vez antes daquele dia, sem relações sexuais, conforme relatado no processo.
Depois de ingerir uma bebida preparada pelo empresário em seu apartamento, Roberta teria passado mal e perdido a consciência, “recordando-se apenas de flashes” daquela noite. Na sequência, Mesquita teria realizado sexo oral na jovem, que reclamou do ato e, em seguida, foi virada de costas com força por ele, segundo a acusação.
Na ocasião, a vítima pensou que Gabriel fosse realizar sexo vaginal e pediu que ele colocasse uma camisinha, sendo que o denunciado não atendeu ao pedido da vítima e, violentamente, introduziu o pênis em seu ânus. A vítima [que nunca havia feito sexo anal antes] pediu para que o acusado parasse, sendo que ele continuou enquanto a vítima chorava.
Quando acordou, Roberta lembra que estava deitada ao lado de Mesquita na cama, com um sangramento local, e sentiu muitas dores. Ela deixou o apartamento e ligou para uma prima, que a acompanhou até um posto de saúde, onde recebeu um coquetel de profilaxia [medida de prevenção de urgência contra a infecção pelo HIV].
Roberta e Mesquita mantiveram contato durante um mês após o episódio. Ela o questionou por mensagem sobre o que havia ocorrido naquela noite e como estava a saúde dele. Pediu ainda que ele fizesse exames para a detecção de doenças sexualmente transmissíveis. O empresário respondeu que teria feito sexo oral nela e que não usou camisinha durante o ato anal, apenas lubrificante.
Durante o processo, ao ser interrogado, Mesquita respondeu somente às perguntas da defesa e “negou veementemente a acusação”. Afirmou que “as relações sexuais com as vítimas [citadas no processo] foram consentidas”, e elas o denunciaram por “vingança”, tendo em vista o seu comportamento de homem “cafajeste”, conforme a sentença condenatória. Também “atribuiu a acusação por parte de Roberta ao fato de ela ter ficado com raiva do interrogando por ele não ter mandado o resultado do seu exame de DSTs para ela”.
A condenação
Em sua decisão, o juiz Aimar Neres de Matos, da 4ª Vara Criminal de Brasília, conclui que “não há provas suficientes” para condenar o réu pelas acusações que constam no processo de outras duas mulheres que relatam terem sido vítimas de estupro em ocasiões nas quais também teriam consumido bebidas alcoólicas oferecidas pelo empresário e sofrido atos não consentidos de sexo anal.
Já em relação a Roberta, “a situação muda de figura, pois aqui há sim uma clara situação de abuso sexual”, registra o magistrado em sua decisão.
Sobre a troca de mensagens entre Roberta e Mesquita, Neres de Matos avalia ainda: “Vê-se do teor dessas mensagens que Roberta pergunta a Gabriel o que ele havia feito com ela naquela fatídica noite, evidenciando que esta vítima não sabia o que ocorrera e, por óbvio, não tivera condições psíquicas de expressar seu consentimento”.
A pena de oito anos de prisão deve ser cumprida em regime fechado, por se tratar de crime hediondo, mas o condenado poderá aguardar em liberdade o trânsito em julgado da sentença. O processo segue agora para a 3ª Turma Criminal do TJ-DF.
O que diz a defesa
Em nota, o advogado de Mesquita, Bernardo Fenelon, afirmou à reportagem: “A justiça está sendo feita. Em verdade, Gabriel Ferreira foi absolvido de mais duas injustas acusações. É válido lembrar que 12 denúncias foram feitas e, corretamente, a justiça do Distrito Federal já o absolveu de 11 delas”.
E concluiu: “Por esse motivo, encaramos com serenidade esta única condenação. Entendemos que houve um grande erro e iremos recorrer ao Tribunal de Justiça para restabelecer a total inocência de nosso cliente”.
O que diz a acusação
A advogada Manuela Landim relatou que Roberta sofreu “grave estresse pós-traumático” e “angústia acentuada” após o episódio com Mesquita. Afirmou ainda que sua cliente, “por ter sido a mais nova e uma das mais prejudicadas [pelo empresário], além do prejuízo psicológico que teve durante todo o processo, obviamente ficou aliviada, no sentido de ter um reconhecimento”.
“Ela sofreu muita violência processual e muita revitimização, assim como aconteceu nos outros casos. Mas ela foi muito corajosa e enfrentou”, completou.
Sobre o futuro do caso, Landim concluiu: “Eu digo com toda a certeza que a Justiça vai manter a condenação. É um caso de extrema relevância a nível nacional contra a permissão de estupro, contra a chancela legal e jurídica da permissão do estupro”.
Como denunciar violência sexual
Vítimas de violência sexual não precisam registrar boletim de ocorrência para receber atendimento médico e psicológico no sistema público de saúde, mas o exame de corpo de delito só pode ser realizado com o boletim de ocorrência em mãos. O exame pode apontar provas que auxiliem na acusação durante um processo judicial, e podem ser feitos a qualquer tempo depois do crime. Mas por se tratar de provas que podem desaparecer, caso seja feito, recomenda-se que seja o mais próximo possível da data do crime.
Em casos flagrantes de violência sexual, o 190, da Polícia Militar, é o melhor número para ligar e denunciar a agressão. Policiais militares em patrulhamento também podem ser acionados. O Ligue 180 também recebe denúncias, mas não casos em flagrante, de violência doméstica, além de orientar e encaminhar o melhor serviço de acolhimento na cidade da vítima.
Com informações do site Universa