Um dia para jamais ser esquecido: a ‘Barbárie de Queimadas’

By 28 de julho de 2024julho 29th, 2024Especiais, Justiça, Lute como uma garota, Machismo mata, Paraiba

No Brasil ser mulher não é uma tarefa fácil, já que estamos falando de uma sociedade marcada pela cultura patriarcal.  Todos os dias assistimos de perto ou de longe a violência contra a mulher. Seja televisionada pelas diversas mídias, de forma recorrente, a figura feminina sofre diariamente com ataques violentos sejam eles físicos e/ou emocionais. Qual o perigo dessas frequentes notícias de violências? A naturalização e a banalização da violência contra a mulher por parte da sociedade. Mesmo sendo um assunto que para “alguns” parece banal, esgotado, para outros (em particular, nós mulheres) não pode e nem deve cessar. Lutar contra qualquer forma de violência, seja ela direcionada a qualquer grupo social, não é uma obrigação e sim um dever político, ético, moral e social.

Neste momento, narro um dia que jamais será esquecido. Eram 7:00 horas da manhã de um domingo que antecedia as prévias de carnaval e minha mãe batia à porta do meu quarto insistentemente de forma desesperadora para me relatar a seguinte notícia: duas mulheres teriam sido brutalmente assassinadas em Queimadas-PB, nesta madrugada. Com os olhos marejados e sentindo a dor das mães, narrou o fato que logo cedo havia ficado sabendo, sem muitos detalhes. E, prontamente comecei a questionar algumas informações me repassadas por ela: – como assim mortas, numa festa residencial, entre parentes e amigos? Uma invasão de bandidos à festa? assalto? De fato, eu não estava compreendendo absolutamente nada, essas eram as primeiras informações. E, algumas horas depois a notícia oficial, elas teriam sido assassinadas por indivíduos que eram considerados “amigos”. Uma revelação assustadora, dilacerante, nós (eu e minha mãe), choramos juntas a dor da perda de uma filha, irmã, dos sonhos de duas jovens. Como diria o sociólogo Francês Émile Durkheim, diante de um crime tão estarrecedor, o sentimento de coesão e solidariedade nos aproxima e nos identifica, o Brasil se chocou com  tamanha crueldade. Ficamos atônicas, neste momento, pensei poderia ter sido eu, você, uma irmã sua, prima, amiga ou seja, qualquer uma de nós.

Já são doze anos do crime que ficou conhecido como a “barbárie de queimadas”, nome atribuído ao ato cruel, desumano e rude ao assassinato das duas mulheres, que por meio de um convite “despretensioso” para festejar as prévias do carnaval entre “amigos” e familiares terminaria na mais nebulosa das festas já vividas, as máscaras caíram, a festa acabou. Esse duplo assassinato, assim como as marcas de violência, deixadas naquela noite nos impactou de forma direta. Foram inúmeras mães desoladas, filhas machucadas, sociedade em pânico. Um fato como este reverbera de forma intensa, a curto e longo prazo, na saúde mental e social de uma sociedade, em particular a dos Queimadenses. Passe o tempo que passar, esse dia jamais será esquecido. Quando uma mulher morre, sob o julgo da violência, todas nos morremos um pouco.

Parece redundante, mas os números, as estatísticas, os sonhos, as vidas das mulheres, são ceifadas de forma cruel todos os dias. Durante o isolamento da pandemia o fórum brasileiro de segurança pública, registrou cerca de 1350 casos de feminicídio – morre uma mulher a cada seis horas e meia. No Brasil a violência contra a mulher é um problema gravíssimo e exige medidas enérgicas no combate aos crimes. Em 2015 foi sancionada a lei nº 13.104/2015, que introduz uma qualificadora aumentando a pena de 6 para 12 anos e a máxima de 20 para 30 anos.  O termo feminicídio foi usado com o sentido de atribuir uma significação as inúmeras mortes pela condição de ser mulher. As motivações são ódio, desprezo, sentimento de perda de controle e de propriedade sobre as mulheres, práticas comuns, sobretudo, na nossa sociedade, culturalmente marcada pelo patriarcalismo, machismo e discriminação a figura feminina. O termo e a sanção penal só vieram surgir três anos depois da morte de Izabella e Michelle, mas que retrata fielmente as marcas de ódio, desprezo e perda do controle do feminino, deixados naquela madrugada, nos corpos das mulheres assassinadas.

Portanto, é urgente, é necessário continuarmos na luta todos os dias contra a violência feminina, por vezes, disfarçada de “amor”, “bondade” e “afeto”. É uma constate luta por paz para que possamos caminhar nas ruas, sem medo, para poder sairmos a noite sem deixar nossos familiares aflitos, sem saber se iremos voltar. Até quando seremos vítimas todos os dias pelo simples fato de sermos mulheres?. Passaram-se doze anos, mas firmes estamos e a luta continua em pról de uma sociedade justa, igualitária e sobretudo que respeite as mulheres.

Me chamo Iazabella, Michelle, Ana Alice, Mariana Thomaz, Maria Vitória, Honorina Oliveira e tantas outras pelas quais insistentemente, seguimos lutando.

 

artigo de Denise Ferreira

 

 

Referências

BRASIL. Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Disponível em Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm > acesso em: 04/02/2022.

BRASIL, Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Decode. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19. Brasil, 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wpcontent/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-v3.pdf. Acesso em: 03/02/2022.

DA MATTA, R. CarnavaisMalandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ªed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar ed., 2000.

 

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