Vítima de violência doméstica e cárcere privado na Espanha, paraibana luta para se reconstruir

 

Estudar fora do país e conhecer o mundo. Foi a partir dessa promessa que uma paraibana quase perde a vida nas mãos de um companheiro abusivo

O sonho de B. era muito parecido com o de milhares de jovens brasileiras: viajar para fora do país, aprender outras línguas e conhecer outras culturas. Em 2023, quando morava e trabalhava na praia de Pipa, no RN, B. conheceu um italiano que, à princípio, se mostrou o verdadeiro príncipe encantado.

Começaram um relacionamento e as promessas de viver na Europa se mostraram cada vez mais uma possibilidade real. Depois de assinarem união estável, B. recebeu o convite de irem juntos morar na Espanha. O pai de seu companheiro, um idoso com demência senil, vivia em   Granada com um cuidador. Quando o cuidador pediu demissão do emprego, o italiano, de 36 anos, resolveu voltar para a Espanha e cuidar do pai.

“Ele prometeu à minha mãe que ia cuidar bem de mim, que eu ia estudar e viajar pela Europa. Claro que eu acreditei! ”, contou B. Chegando na Espanha, mais precisamente na cidade de Granada, o sonho de B. se transformou em pesadelo. Além de não conseguir estudar, B. foi colocada na função de empregada doméstica e cuidadora do sogro idoso. Quando começou a questionar a situação que se encontrava, as violências começaram.

As agressões, que começaram com xingamentos e abuso psicológico, escalaram para puxões de cabelo, tapas e socos. “Ele puxava meu cabelo e me agredia de um jeito que não deixava marcas no meu rosto. Então eu continuava falando com a minha família no Brasil como se nada tivesse acontecido”.

B. entrou no ciclo de violência e abuso comum a todas as vítimas. A agressão ocorre, o abusador pede perdão, a vítima dá mais uma chance. Até quer a situação passou a ficar insustentável e B. decidiu sair de casa. O contato com familiares na Paraíba era feito sempre por ligação de vídeo, e a mãe de B. fazia ligações diárias com a filha. “Ele roubou meu celular e passou a responder minha mãe por mensagem de texto, se passando por mim”.

Na Paraíba, a família de B. desconfiou do teor das mensagens e exigiu falar com a jovem por vídeo, o que era sempre negado com algum tipo de justificativa. “Minha mãe não acreditou e acionou a Embaixada do Brasil na Espanha”. A partir desse momento, a história de B. ganhou contornos de cinema.

Apoio do Consulado Geral do Brasil

O Consulado Geral do Brasil em Madri entrou em cena e prestou toda a assistência à paraibana. Foi a partir desse contato que a Polícia Nacional de Granada teve acesso ao endereço de B. e conseguiu resgatá-la. Ela estava em situação de cárcere privado, extremamente abalada psicologicamente e com sinais de desnutrição. O italiano foi preso e B. foi encaminhada para o serviço de acolhimento local.

Por e-mail, a redação entrou em contato com o Consulado Geral do Brasil em Madri. De acordo com Vera Cíntia Álvarez, cônsul Geral do Brasil, o resgate da B. de situação de cárcere privado imposto pelo companheiro italiano, que a trouxe para a Espanha, é apenas um dos diversos casos em que o Setor de Assistência do Consulado tem atuado e resgatado mulheres em situação de violência doméstica.

Desde 2023, foram registrados 80 casos de violência doméstica em Madri que contaram com o apoio e a assistência do Consulado Geral do Brasil, que conta com a presença permanente de um assistente psicológico e um assistente jurídico que são mobilizados para atuar em defesa das mulheres brasileiras.

“O Setor de Assistência Consular oferece um primeiro acolhimento psicológico e afetivo às vítimas, que permite identificar meios e modos de intervenção: seja em amparar a vítima, seja no incentivo para que as vítimas denunciem agressões aos órgãos de segurança espanhóis. ”, afirmou a cônsul Geral.

“Trabalhamos também para encontrar opções de abrigo para a vítima junto às entidades que se dedicam a amparar mulheres em situação de risco”.

“Muitas vezes, é necessário retirar essas mulheres do ambiente em que sofrem agressões. Verificamos com nosso assistente jurídico que ações podem ser tomadas pelas vítimas no caso em que existem filhos nascidos do agressor.  Em alguns casos, identificamos organizações espanholas que ajudam no repatriamento voluntário ao Brasil. ”

Recentemente, foi criado o “Espaço da Mulher Brasileira” (EMUB) em Madri, com o objetivo de promover encontros e palestras com a comunidade brasileira para discutir questões como violência doméstica, acesso ao mercado de trabalho, capacitação para a empregabilidade e outras questões relativas ao bem-estar e a saúde emocional das mulheres brasileiras na Espanha. A sessão inaugural do EMUB, em 23 de setembro em Madri, e apresentou a palestra de Luiza Brunet que contou sua saga em questões de violência doméstica e ofereceu exemplo de resistência e superação.

O Serviço de Assistência Consular no Consulado Geral de Madri pode ser acessado pelo telefone de plantão disponíveis para as pessoas em situação de vulnerabilidade. O número do telefone é 34 677 547 004.

O resgate de B. foi matéria de um portal local espanhol, e você pode acessar através desse link.

Atualmente, B. se encontra acolhida na casa de um casal de brasileiros, em Granada. O italiano passou alguns dias preso e aguarda o julgamento em liberdade, mas com cautelares, que inclui não tentar qualquer tipo de contato ou aproximação com a vítima. O julgamento, que estava previsto para a segunda quinzena do mês de setembro, foi adiado para 9 de novembro. Enquanto isso, B. precisa de ajuda para se manter na Espanha até que a situação seja totalmente resolvida.

“Minha família não dispõe de tantos recursos. Estou procurando emprego, pretendo começar a estudar e refazer minha vida”, diz B. Quem puder e quiser ajudar a paraibana, a família disponibilizou o pix [email protected], em nome de uma familiar de B. Toda e qualquer ajuda será bem vinda.

 

Taty Valéria

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Como denunciar violência doméstica

O atendimento às vítimas pode ser realizado direto nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (disque 180). Para casos de emergência, a Polícia Militar deverá ser acionada (disque 190). Para denúncias anônimas, busque a Polícia Civil (disque 197).

 

 

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