Pesquisa inédita mostra como influenciadores lucram com conteúdos misóginos no YouTube

O Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, parceria do NetLab-UFRJ com o Ministério das Mulheres, divulgou nesta sexta-feira (13), uma pesquisa inédita que mapeia e analisa canais com discursos misóginos no YouTube no Brasil. 

O relatório “Aprenda a evitar ‘este tipo’ de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube” destaca como canais divulgam mensagens de ódio contra as mulheres e transformam misoginia em um negócio lucrativo. Foram analisados computacionalmente 76,3 mil vídeos para traçar um panorama da chamada “machosfera”, rede de influenciadores e comunidades digitais masculinistas. Os vídeos analisados somam mais de 4 bilhões de visualizações e 23 milhões de comentários. A análise dos vídeos considerados misóginos lança luz a discursos nocivos que contribuem para naturalizar comportamentos como o ódio, o desprezo, a aversão e o controle das mulheres.

O objetivo da pesquisa é traçar um panorama do ecossistema misógino na plataforma, de modo a contribuir com as políticas públicas de combate ao ódio e à violência de gênero na internet e fora dela.

“A meta de feminicídio zero, que é nossa prioridade, somente será alcançada se pudermos compreender e conscientizar a população sobre o que é a misoginia e as suas consequências, e não há como alcançar isso, atualmente, sem olhar para a internet. Por isso, esta iniciativa é fundamental, já que nos ajuda a mapear a violência contra as mulheres e conhecer os discursos que incentivam comportamentos violentos online”, destaca a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.

O estudo ainda observou de maneira qualitativa os vídeos de 137 canais com conteúdos explicitamente misóginos. Juntos, eles publicaram, nos últimos seis anos, mais de 105 mil vídeos. Em média, têm 152 mil inscritos e somam 3,9 bilhões de visualizações em seus conteúdos, evidenciando a relevância desse ecossistema tóxico no ambiente digital.

Os conteúdos analisados perpetuam perspectivas discriminatórias e, muitas vezes, incentivam técnicas de tratamento às mulheres baseadas na violência psicológica e na manipulação emocional.

Além disso, também reforçam estereótipos prejudiciais às mulheres, como desumanização baseada na aparência e no intelecto e ataques a feministas. Muitas dessas mensagens são disfarçadas de “desenvolvimento pessoal masculino”, o que dificulta sua identificação pelos sistemas de moderação das plataformas digitais, como o próprio YouTube.

Acesse o Relatório Completo e o Sumário Executivo da pesquisa, disponível também em https://netlab.eco.ufrj.br.

Sobre a pesquisa

  • Foram analisados 76 mil vídeos de 7.812 canais, com mais de 4,1 bilhões de visualizações e 23 milhões de comentários.

  • O número de vídeos da machosfera no YouTube aumentou significativamente desde 2022, com 88% publicados nos últimos três anos.

  • Análise computacional dos títulos identificou “Desprezo às mulheres e insurgência masculina” como o tema mais recorrente, presente em 42% dos títulos dos vídeos.

  • A pesquisa identificou 137 canais com conteúdo misógino. Juntos, eles somam 3,9 bilhões de visualizações, 105 mil vídeos publicados e, em média, 152 mil inscritos.

  • 80% dos canais misóginos utilizam estratégias de monetização, como anúncios, Super Chat, doações e vendas de produtos.

  • Em seus conteúdos, os influenciadores propagam ódio, aversão, controle e desprezo às mulheres. As mais atacadas são feministas, mães solteiras e mulheres com mais de 30 anos.

Análise qualitativa

Mais de 33 mil títulos de vídeos analisados exploram temas relacionados ao “Desprezo às mulheres e estímulo à insurgência masculina” contra uma suposta dominação feminina. Os criadores de conteúdo reforçam ideais masculinistas com termos ofensivos e adotam um vocabulário próprio para construir comunidades e escapar do monitoramento de discurso de ódio do YouTube.

Os dados mostram que a divulgação dos vídeos no YouTube possibilita a formação de comunidades que se articulam – inclusive financeiramente – em torno de discursos com elementos misóginos. Aspectos como vocabulário próprio, participação de espaços restritos, interações entre os influenciadores e com o público e venda de produtos e serviços são alguns indicativos da comunidade formada em torno da misoginia.

“Sem a devida regulamentação e fiscalização das plataformas digitais, a misoginia vem se tornando mais do que um tipo de discurso perigoso, mas também um ‘produto’ lucrativo, muitas vezes vendido como desenvolvimento masculino”, destaca Marie Santini, fundadora e coordenadora do NetLab.

Alguns números relacionados à monetização que a pesquisa do NetLab-UFRJ identificou foram:

  • Exceto pela presença do Programa de Membros do YouTube (18%), todas as demais formas de monetização investigadas são mais frequentes em canais.

  • 52% dos canais misóginos possuem ao menos um vídeo com anúncios.

  • Oito canais com conteúdo misógino que receberam Super Chat fizeram 257 transmissões e somaram R$68 mil em arrecadações.

  • Links para sites como plataformas de financiamento coletivo ou links de afiliados estão presentes em 28% dos canais misóginos.

  • Alguns influenciadores chegam a cobrar até R$1.000 por consultorias individuais de desenvolvimento pessoal masculino, que, em muitos dos casos, partem de técnicas de manipulação, humilhação, desumanização e violência psicológica.

Embora não seja possível correlacionar diretamente a circulação de discursos misóginos e o aumento da violência, a pesquisa contribui com pistas para compreender melhor essa relação. Entre 2021 e 2024, o volume de vídeos mapeados pelo estudo aumentou drasticamente. Neste mesmo período, o número de feminicídios no Brasil também cresceu: em 2021, foram registrados 1.347 mortes de mulheres em função do seu gênero. Em 2023, o número de vítimas foi de 1.463. O número de casos de violência doméstica e familiar também aumentou quase 10% entre 2022 e 2023.

Sobre o Observatório

Em março deste ano, o NetLab-UFRJ e o Ministério das Mulheres divulgaram os primeiros dados da pesquisa pelo Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, que teve como foco as redes sociais e plataformas Facebook, Instagram, Messenger e Audience Network. O relatório “Golpes, fraudes e desinformação na publicidade digital abusiva contra mulheres” identificou e classificou 1.565 anúncios publicitários dirigidos às mulheres como sendo problemáticos, irregulares ou ilegais/fraudulentos. Também foram mapeados perfis, páginas e sites envolvidos na divulgação de produtos, serviços e/ou tratamentos suspeitos, enganosos ou fraudulentos, com potencial de causar danos à saúde das mulheres, além de perfis, páginas e sites que promovem uma cultura de incentivo à desigualdade de gênero, pregam a inferioridade das mulheres e promovem o ódio a mulheres e meninas.

com informações do portal do Ministério das Mulheres

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