jogadoras dos EUA com a Taça de Campeãs do Mundo! |
Estádios quase sempre cheios, recordes de audiência nas TVs de vários países e cobertura intensa da mídia compõem um cartão postal vistoso da Copa do Mundo da França, encerrada neste domingo (7), com o tetracampeonato dos EUA.
Os ganhos em termos de interesse e repercussão, porém, não escondem uma incômoda estagnação no quesito remuneração. Para além dos cantos entusiasmados das torcidas (do “Allez les Bleues” dos anfitriões ao “Go West” holandês), foram as palavras de ordem “Equal pay! Equal pay!” (pagamento
igual), ouvidas logo após a final, o verdadeiro refrão deste Mundial.
Em entrevistas ao longo do último mês, jogadoras de várias seleções insistiam na necessidade de diminuir ou mesmo extinguir por completo o abismo salarial entre atletas homens e mulheres.
Eleita a melhor jogadora do torneio (além de ter sido a artilheira, ao lado da compatriota Alex Morgan e da inglesa Ellen White), a atacante americana Megan Rapinoe disse após a final que “todos estão prontos para esse debate, evoluir, passar para a próxima etapa”.
Para ela, perguntas como ‘mas o mercado [para homens e mulheres] é o mesmo?’ ou ‘deveria haver remuneração igual?’ viraram anacrônicas.
“Cada equipe deu seu máximo aqui. Não poderíamos ter sido embaixadoras melhores [do futebol feminino]. Uma dura pública [nos cartolas] nunca fez mal”, disse, rindo. A três meses da Copa, a seleção dos EUA processou a federação de futebol do país por institucionalizar a discriminação de gênero”, segundo a descrição feita na ação.
Em 2016, cinco integrantes do time já haviam registrado queixa na agência federal responsável pela igualdade nas oportunidades de trabalho por causa da disparidade dos salários entre os times dos EUA masculino (sem título de Copa) e feminino (agora tetra mundial e olímpico).
Em carta aberta divulgada na quarta (3), 50 parlamentares do país dizem que o salário-base das jogadoras é US$ 30 mil (R$ 115 mil) inferior ao dos colegas. A distorção se repete nos bônus. Eles receberam US$ 5,4 milhões (R$ 20 milhões) depois de serem eliminados nas oitavas de final da Copa do Brasil, em 2014. No ano seguinte, elas ganharam o Mundial do Canadá, mas dividiram só US$ 1,7 milhão (R$ 6,4 milhões).
O tal “mercado” a que Rapinoe se referiu no domingo também dá vantagem às mulheres, mostra o texto em que os deputados pedem explicações à federação americana. De 2016 a 2018, os jogos da seleção feminina geraram US$ 50,8 milhões (R$ 194 milhões) aos cofres da entidade que gerencia o futebol no país. No mesmo período, o faturamento com a formação masculina foi de US$ 49,9
milhões (R$ 190 milhões).
“A mensagem enviada a mulheres e garotas é que suas habilidades e suas conquistas têm valor inferior [às dos homens]. A ausência de paridade tem que acabar”, concluem os signatários. O inconformismo não é só da melhor seleção do mundo. Em 2015, as australianas cancelaram uma turnê pelos EUA por causa dos valores irrisórios do bônus recebido em casa por terem chegado às quartas de final do Mundial do Canadá. Três anos atrás, foram as nigerianas que cruzaram os
braços em protesto.
Na França, a atual melhor jogadora do mundo, Ada Hegerberg, não entrou em campo com a equipe norueguesa por não concordar com a política salarial praticada pela cartolagem de seu país. O presidente da Fifa, Gianni Infantino, buscou responder a esse movimento com o anúncio de que a premiação total da próxima Copa deve ser o dobro —US$ 60 milhões (R$ 229 milhões)— da distribuída agora. A título de comparação, as seleções masculinas dividiram um bolo de US$ 400 milhões (R$ 1,5 bilhão) em 2018, na Rússia.
O cartola também disse que o investimento para desenvolver a prática da modalidade por mulheres nos próximos quatro anos deve passar de US$ 500 milhões (R$ 1,9 bilhão) para US$ 1 bilhão (R$ 3,8 bilhões). Um Mundial de clubes e uma Liga das Nações (para dar mais oportunidades aos times
nacionais de jogarem) também estão nos planos.
As boas intenções, entretanto, esbarram na vagareza da própria Fifa, que ainda não definiu onde acontecerá a nona edição da Copa, em 2023 – o Brasil é um dos candidatos a acolher o torneio. Entre os homens, os endereços dos Mundiais de 2022 (Qatar) e 2026 (Canadá, EUA e México) foram decididos em 2010 e 2018, respectivamente.
Para ampliar o sentimento de descaso, duas decisões masculinas (das Copas América e Ouro) foram marcadas para a mesma data da final da competição mais importante do calendário feminino.
“É ridículo, uma decepção”, disse a americana Rapinoe dias atrás sobre a necessidade de dividir os holofotes.
da Folha UOL