Não é só machismo: Brasil é penúltimo lugar em representatividade feminina em ranking da ONU

By 29 de julho de 2020Brasil, Lute como uma garota

Num estudo divulgado em março pela ONU Mulheres, o Brasil  ocupa o penúltimo lugar entre as nações da América Latina no quesito representatividade feminina, que envolve cargos executivos, legislativos e em ministérios. Só fica à frente do Haiti.

Atualmente, a representação feminina no Congresso brasileiro é de 15%. A proporção é ainda menor em outros cargos eletivos. Elas são apenas 13,5% entre os vereadores e 12% entre os prefeitos eleitos em 2016.

Por que estamos tão atrasados? O que afasta tanto as mulheres da política no Brasil?

Hannah Maruci Aflafo, doutoranda e mestre em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), especialista em gênero e articuladora do movimento Mais Mulheres na Política, listou alguns motivos que respondem essas perguntas.

1. Legislação sobre cotas deixa brechas

A chamada Lei das Eleições, de 1997, que estabelece normas para os processos eleitorais e está em vigor até hoje, foi a primeira a trazer uma sugestão de cotas de candidaturas para mulheres. O texto falava em um mínimo de preenchimento de 30% e um máximo de 70% de candidatos para cada sexo dentro dos partidos nas eleições proporcionais.

Mas a palavra usada na legislação era “reservar”. Com isso, grande parte dos partidos argumentava que havia reservado vagas, mas não as tinha preenchido porque não encontraram candidatas para tanto. Foi só em 2009, com a minirreforma eleitoral, que a palavra “reservar” foi substituída por “preencher” e houve, de fato, uma obrigação para que a regra fosse cumprida.

Ainda assim, nas eleições de 2010, o número de deputadas federais eleitas se manteve o mesmo em relação ao pleito de 2006, 45. Em 2014, esse número subiu para 51. Foi só em 2018, quando o STF (Superior Tribunal Federal) decidiu que o dinheiro dado às candidatas mulheres deveria seguir essa proporcionalidade, ou seja, deveria haver um repasse de no mínimo 30% da verba partidária para elas, que esse número teve um aumento um pouco mais significativo. Nas eleições de 2018, 77 mulheres foram eleitas para a Câmara de Deputados, um aumento de 50% em relação à eleição anterior, mostrando que dinheiro é essencial para que uma candidatura seja competitiva.

2. 80% dos dirigentes partidários são homens

Um levantamento feito pela ONG Movimento Transparência Partidária, em 2018, mostrou que 80% das pessoas ocupando cargos de direção nos partidos, incluindo escritórios regionais e nacionais, são homens. Além disso, 75% dessas pessoas eram as mesmas há, pelo menos, dez anos.

Em contrapartida, dados do TSE mostram que 50% dos filiados a partidos são mulheres. A manutenção de uma estrutura liderada por uma maioria de homens e que já está há muito tempo no cargo dificulta que novos nomes sejam contemplados com apoio do partido, e não apenas durante as eleições. O grande problema é que essa baixa representatividade se reflete, na maioria das vezes, em falta de investimento.

3. Sem investimento, não há campanha competitiva

Ainda que a legislação obrigue os partidos a investirem 30% nas campanhas femininas, como cada um pode decidir de que maneira fará a divisão da verba, muitas mulheres relatam não receber qualquer apoio da sigla. “Já ouvi várias dizendo que não são candidatas laranjas mas, na prática, são tratadas como se fossem: não têm dinheiro nem apoio”, diz a pesquisadora.

Além disso, Hannah cita o descumprimento da regra que obriga o investimento de 5% do fundo partidário na formação de mulheres. “Os partidos são responsáveis por fazer as escolhidas terem candidaturas viáveis, mas isso não acontece. Não se cumpre essa obrigatoriedade dos 5% e, quando o fazem, é só em ano eleitoral, ainda que a lei diga explicitamente que deve ser feito ao longo do processo.” Segundo Hannah, a fiscalização ocorre em cima da prestação de contas. “Mas é um processo moroso e, muitas vezes, mal feito. Sei de partidos que investiram muito menos do que isso”, afirma a pesquisadora.

Em 2019, mesmo após aplicação de sanções por parte do TSE a partidos que não cumpriram a norma em 2012 e 2013, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou uma lei que alterava a legislação eleitoral concedendo anistia a todas as siglas que tenham infringindo a regra de 2018 para trás.

4. Obrigação de cuidar da casa e da família impede dedicação na atuação política

A obrigação contínua de cuidar da casa e da família, enquanto ao homem cabe ocupar o espaço público, é conhecida como divisão sexual do trabalho e se aplica, também, no caso da política. Talvez esse seja o mais revoltante dos motivos. Como participar de cursos de formação, reuniões políticas e atuação presencial quando se tem que preparar o jantar do marido e cuidar dos filhos, não é mesmo?

“Para a mulher, o casamento é um fator que atrapalha a entrada na vida pública, porque já há uma divisão pré-estabelecida: o homem político, no geral, é casado, mas há alguém cuidando da casa e dos filhos dele. O contrário não acontece”, explica Hannah. “Nos Estados Unidos, por exemplo, elas podem utilizar dinheiro para contratar babás por exemplo. Isso é considerado um custo de campanha”, diz. “Permitir o uso do fundo público para gastos com supervisão das crianças fora do horário da creche e enquanto a mulher está em campanha seria muito importante.”

5. Violência política de gênero afasta possíveis candidatas

Desde perguntas aparentemente ingênuas, como “tem certeza que quer entrar para a política?”, a ataques em massa, com críticas à aparência e à sexualidade de uma mulher que se dedica à política, a violência política de gênero é um problema que deve ser resolvido com urgência, segundo Hannah, se o Brasil quiser subir de posição nos rankings de representatividade feminina. Aqui na Paraíba, não precisamos pensar muito e identificar mulheres que entraram para a vida política por seus próprios méritos e são atacadas violentamente, inclusive (e principalmente) pela imprensa.

“É um impacto de representação simbólica. As mulheres de fora, se não veem outras lá, entendem que não é o seu lugar. E, caso vejam, mas percebam que as políticas sofrem com a violência de gênero, desanimam”, opina Hannah. “A política institucional ainda é um ambiente inóspito para as mulheres, mesmo que algumas já façam parte dela.”

da redação, com Universa

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