Uma carta para Anayde Beiriz

Querida amiga Anayde, 

Não tive a honra de te conhecer pessoalmente, mas desde que ouvi seu nome pela primeira vez, tenho a impressão que seríamos amigas. Tínhamos quase a mesma idade quando eu soube quem era você e por tudo o que teve que passar.

Apesar de épocas históricas tão distintas, temos muita coisa em comum. Gostamos de ler, aprender e ensinar. Gostamos de cultura, gostamos de estar rodeadas de amigos. Gostamos de afrontar. Lutamos pela liberdade, tanto a nossa quanto a das outras mulheres. Amamos muito.

Não deu tempo de você acompanhar, mas saiba que aquele movimento chamado feminismo ganhou uma força gigantesca e que palavras novas como empoderamento e sororidade entraram no dicionário. Você ia adorar acompanhar isso tudo! 

Muita coisa mudou desde que você foi embora. Nós conseguimos o direito ao voto, e conseguimos ser votadas! Existem deputadas, senadoras, prefeitas, governadoras! Tivemos até uma mulher na presidência! (depois ela sofreu um golpe, mas ainda estamos no Brasil né?) Também conseguimos voz e espaço para lutar por nossos direitos, conseguimos gritar e exigir uma vida sem violência. Não temos mais tanto medo de expor e de nos expor. Algumas leis foram criadas para nos proteger, e… às vezes elas até funcionam.

Mas algumas coisas, minha amiga, não mudaram nada! Até hoje, mulheres apanham muito dos companheiros; ex maridos ainda matam muito, e todos os dias. 

Lembra daquelas pessoas que espalharam suas cartas, que te atiraram pedras, que te julgaram e te humilharam? Hoje elas são chamadas de Bolsominions. É uma longa e vergonhosa história, mas o fato é que essas pessoas sempre existiram, só usavam outras denominações. Fico imaginando quantas delas você teve o desprazer de conhecer.

Sabe aquela culpa que as mulheres livres carregam? Ela ainda existe. Lembra daquilo tudo que você passou? Hoje chamamos de cancelamento. Mas hoje, querida Anayde, não deixaríamos você passar por aquilo tudo sozinha. Você seria acolhida, entendida e ouvida. Sim! Nós te daríamos espaço pra contar seu lado da história. Você teria os prints, os áudios, as fotos e os vídeos e nós íamos viralizar tudo isso com a hastag #LuteComoUmaGarota! Nós faríamos manifestações na rua, faríamos barulho! 

Ainda não me conformo que uma moça de 25 anos tenha passado por tudo o que você passou. Não me conformo que você tenha tido uma morte social naquele nível. Você, de todos aqueles personagens, era a única que não merecia.

Mas é assim, minha amiga, ainda temos que lidar com algumas mortes sociais, com alguns cancelamentos, com o julgamento e as pedras. Parece que só o fato de sermos mulheres livres já nos coloca como alvo. Mas vamos continuar lutando, por você e por nós.

Eu tenho certeza que você tem muito orgulho do modo como viveu e amou. E nós temos muito orgulho de você.

 

Da sua amiga atemporal, Taty Valéria

 

Parahyba, 5 de agosto de 2021

 

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