Artistas sustentam fama na cena musical em João Pessoa apesar do histórico de violência contra as mulheres

Matéria especial produzia por Grace Vasconcelos, para o portal Termômetro da Política e reproduzida na íntegra

A cena musical paraibana lembra de histórias de mulheres que sofreram violência por parte dos artistas e esses agressores continuam em cima dos palcos, usufruindo da fama. Há muitos relatos. São formadas rápidas teias de contato a partir de alguém que conhece uma amiga, uma conhecida ou um agressor nunca responsabilizado. As violências foram físicas, psicológicas e sexuais, muitas sem solução, até por parte da Polícia, ou ‘esquecidas’ e ignoradas pelos companheiros de banda e público.

Há cerca de um mês e meio, o vídeo do músico paraibano DJ Ivis espancando com socos e chutes sua ex-mulher foi assunto em todo o país. Toda a indústria do gênero forró e pisadinha, que se alimentava dos grandes sucessos do compositor, se movimentou para repudiar a violência e pedir proteção às mulheres. Foram contratos quebrados, shows cancelados e os amigos pediam por justiça para Pamella Holanda. Era uma movimentação nacional contra cenas inaceitáveis.

Se fizermos um recorte para a cena paraibana, será que teríamos pessoas tão motivadas a cortar relações e contratos ou o DJ Ivis seria logo “perdoado” pelos amigos? Muito provavelmente o caso seria esquecido, ninguém tocaria mais no assunto e tudo continuaria perfeitamente normal. Conforme aconteceu com casos semelhantes, o músico continuaria adorado, ganharia fãs e se destacaria como referência no estado ou, até mesmo, poderia decidir se uma mulher merece ser aprovada ou não em um edital ou concurso. E que tal um cargo público?

Já a vítima, essa não ganha nada. Ela é conhecida como ‘a doida’ e os outros pensam que ela exagerou ou surtou, quem sabe? Pode até denunciar e a polícia não retornar nunca mais com uma resposta. Anos depois, alguém pode finalmente acreditar no que aconteceu, e se desculpar dizendo “eu apenas não queria me meter, por isso não fiz nada”. Elas têm tudo a perder, inclusive o próprio trabalho, a saúde mental e a vida.

Um projeto de lei, proposto pela deputada Cida Ramos (PSB), pretende impedir que artistas processados ou condenados pela Lei Maria da Penha recebam recursos públicos para produzir shows, peças teatrais ou outras apresentações. Segundo o texto, essa deve ser mais uma forma de enfrentamento a violência contra a mulher. O PL 2.994/2021 propõe vedar a contratação desses artistas pelo Estado da Paraíba.

Leia agora o que aconteceu nos bastidores do “show daquele músico que era uma promessa da nova geração”, ou como foi o “processo violento da criação da música sobre amor que fez tanto sucesso”.

Denúncia realizada, crime esquecido

Importunação sexual não condiz com a ética e a mensagem dessa banda, eles respeitam todos e esperam que as medidas cabíveis sejam tomadas contra um ex-integrante que é suspeito de importunar sexualmente uma musicista. Essas foram as palavras escritas em um comunicado de uma banda pessoense, em 2019, após a exposição de uma denúncia contra o guitarrista do grupo e a cobrança do público pela sua expulsão.

De acordo com a banda, o músico foi “suspenso permanentemente”, mas dois meses depois ele estava de volta. A nota de esclarecimento foi apagada de algumas redes sociais e, aparentemente, todos esqueceram do que aconteceu naquele ano, até mesmo a Delegacia de Atendimento à Mulher da Zona Norte, em João Pessoa, que registrou o Boletim de Ocorrência mas nunca retornou nenhuma novidade para a vítima. O guitarrista permanece na banda e a vítima continua sem respostas.

Em 2019, a musicista Mihaela Cinstitu Gomes estava na sua própria casa, acompanhada de dois amigos. Segundo ela, um deles já iria dormir em sua residência e o outro, integrante dessa banda pessoense, perguntou se também poderia passar a noite na casa dela, afirmando que já estaria muito tarde para ir embora. Ela consentiu que ele passasse a noite.

Quando seu outro amigo já estava dormindo e ela estava se preparando para dormir, o guitarrista teria se oferecido para massagear suas costas e ela permitiu. Deitou-se na cama, adormeceu durante a massagem e acordou sendo penetrada, sem o seu consentimento, pelas mãos do suspeito. Mandou que ele saísse imediatamente e assim ele fez.

Ao acordar, chamou o músico para conversar. Segundo Mihaela, ele teria dito que “entendeu a situação errado”, pediu desculpas e disse que a violentara porque estava sob efeito de drogas. O guitarrista também teria pedido para que ela não contasse para ninguém sobre a importunação.

Para Mihaela, pedido de desculpas não foi suficiente diante da agressão (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

 

Mas pedir desculpas é suficiente para apagar o episódio? Para Mihaela não foi. Ela passou toda a semana sem conseguir dormir no próprio espaço de descanso e intimidade. “Me senti a pessoa mais suja, desvalorizada e usada, sem conseguir olhar para a cama”, relembra. Para a banda do músico, não se sabe se pedir desculpas ou demonstrar arrependimento foi suficiente, mas pouco tempo depois ele já estava ‘perdoado’.

Vinicius*, teve contato com o suspeito após o crime e relembra que algumas pessoas conversaram com o guitarrista para entender o que tinha acontecido. Em um determinado momento, o músico teria contado o que aconteceu e teria admitido o que fez.

João*, um amigo da vítima, recordou que Mihaela estava muito abalada e a musicista pediu para conversar. Ela contou tudo o que havia acontecido e como estava se sentindo, e na mesma hora ele recomendou que ela fosse registrar um Boletim de Ocorrência. Ele acompanhou Mihaela até a Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) da Zona Norte, em João Pessoa. Mas, segundo a musicista, após a denúncia, ela não recebeu nenhuma resposta sobre o caso até hoje.

O boletim foi registrado no dia 23 de Agosto de 2019, após 13 dias do ocorrido e o caso foi tipificado como importunação sexual. A lei 13.718 tipifica o crime por praticar contra alguém ato libidinoso sem o seu consentimento e com objetivo de satisfazer seu próprio desejo sexual ou de terceiros. É considerado um crime comum inserido no capítulo de “crimes contra a liberdade sexual”.

Importunação sexual é muito comum nos ônibus, quando homens se masturbam ou ejaculam em mulheres em locais públicos, mas também se enquadra para casos em que o suspeito passa a mão no corpo de outro indivíduo sem permissão ou encosta sua genitália. A pena pode ser de um a cinco anos de prisão.

Por estar dormindo, a agressão contra Mihaela também poderia ter sido enquadrada como estupro de vulnerável. Atualmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disciplina esse entendimento para casos semelhantes. Em outubro de 2019, a Corte considerou que dormir caracteriza condição de vulnerabilidade. A vítima não possuía “discernimento para a prática do ato”, retirando da musicista a possibilidade de resistência naquele momento, como define o Artigo 217A do Código Penal.

§ 1 o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Termômetro da Política buscou contato com a Polícia Civil para ter conhecimento da tramitação do caso e a assessoria recomendou que falássemos com o delegado Nélio Carneiro, da 2ª Delegacia Distrital. Também perguntamos o motivo do Boletim de Ocorrência constar importunação sexual em vez de estupro de vulnerável. A equipe não recebeu nenhuma resposta até a publicação desta reportagem.

Todos sabiam, mas ninguém fez nada

Ali Cagliani ainda se sente culpada. Por ter ajudado na carreira dele, por não ter denunciado. Se sente culpada quando encontra outras mulheres se envolvendo com seu ex-namorado violento, sem saberem o que ele fazia com ela. Nada disso é culpa de Ali. Ela trabalhava como produtora artística para a banda do seu ex, um grupo pessoense de música pop e alternativa, que tem uma formação de maioria masculina, na qual ele atua como vocalista.

A primeira vez que achou o comportamento do músico estranho foi em um bar, no início do relacionamento. Ela tinha um amigo que morava fora do país e que estava voltando para casa, mas antes queria encontrar ela e a chamou para beber, se oferecendo para buscá-la. Quando ele ligou, a artista estava com o ex-namorado e alguns amigos no bar de uma praça. O cantor não aceitou a situação, fez um escândalo e gritou muito, acusando ela de traição. Ali não foi encontrar o amigo nesse dia.

Segundo a artista, esse seria o início de um comportamento abusivo no qual ele queria que ela quebrasse o vínculo com todos os amigos que julgava inadequados. Depois, começou a implicar com o horário de trabalho, implicava com a família da produtora e minava essas relações, principalmente as que ele identificava maior fragilidade.

Foi ele também que chegou bêbado e violento, brigando e tentando sacudir Ali, mas ela botou a mão na frente para se proteger e quebrou o nariz dele. Ele também bateu no próprio corpo dizendo que precisava fazer isso para não bater nela. Terminou jogando a culpa para a artista, fazendo que ela se sentisse culpada por se proteger. Em todas as futuras brigas, o nariz quebrado virou argumento de manipulação: se algo acontecia, ele jogava a culpa para ela relembrando do episódio.

Ali Cagliani sofria violência por parte de um músico famoso na capital; agressões aconteciam diante dos comparsas da banda, mas ninguém tomava qualquer atitude (Foto: Raquel Dantas)

Além disso, o cantor não aceitava suas roupas e dizia que era roupa de “rapariga”, enquanto apertava o braço dela e beliscava. Essas violências eram muito constantes. Ali avalia que isso sempre acontecia quando ela estava em uma posição de destaque, quando ela chamava mais atenção que ele.

A artista também afirma que a banda presenciava os apertões no braço e grosserias desnecessárias, mas ninguém tomava nenhuma atitude. “Quem presenciava também eram os amigos de outras bandas, talvez até mais do que o grupo que ele participava”, relembra Ali. Por trás dela, o músico dizia para todos que não terminava o relacionamento por medo de ser morto pela artista. Anos depois, as pessoas passaram a se desculpar por não ter feito nada.

Ela levou um ano para sair do relacionamento abusivo e foi nesse tempo que percebeu com mais detalhes os gestos agressivos. Precisou continuar trabalhando e cumprindo agenda para ele mesmo após o fim, tanto como produtora, mas também como namorada para eventos em que ele precisava de uma parceira.

Holofotes no sucesso e violência nos bastidores

O agressor de Alessandra* é um rapper paraibano que fez um grande sucesso nacional até 2015, quando portais e o movimento feminista denunciaram em suas páginas um comportamento misógino. Ele tinha letras e publicações que ridicularizavam mulheres e o feminismo, o que deu início a um boicote contra o cantor. Após as polêmicas, o músico pediu desculpas nas redes sociais. O que poucos sabiam até então é que ele teria agredido sua namorada.

Desde o início do relacionamento, ele imaginava que iria ser traído, mas na época, ela achava a situação “normal”. Ela era jovem e não tinha acesso a tantas informações sobre violência contra mulher. “Eu sempre digo que descobri o que era um relacionamento abusivo vivendo um”, explica a jovem.

Alessandra relembra que tinha a autoestima muito baixa e se colocava como a “sombra” dele. Ela tinha um emprego fixo, podia pagar todas as drogas que ele consumia e acreditava na carreira dele como músico. “Eu dizia que ele tinha a faca e o queijo na mão, investi tudo que tinha na carreira dele, enquanto ele atrapalhava meus estudos e até ameaçava rapazes que estudavam comigo”, relata Alessandra.

Em um relacionamento de muitos anos, ela relata duas agressões físicas muito marcantes. A primeira foi quando ainda fazia faculdade, ele sempre pegava o carro da jovem para ir buscá-la — em uma ação que pretendia desestimular que ela aprendesse a dirigir e que permitisse ele ficar no controle, algumas vezes nem ia e deixava Alessandra sem ter como voltar.

Em um desses dias, o rapper chegou bêbado e encontrou ela utilizando maconha com alguns colegas. Isso foi o bastante para que ele fosse durante todo o caminho a xingando e acusando de traição. Ela, que já estava muito aborrecida, disse que ele tinha “síndrome de corno”.

O músico empurrou ela na parede e botou uma faca no pescoço da vítima. Ela conseguiu se soltar e se trancar no banheiro, depois ligou para uma amiga, que pediu para conversar com o músico. Após falar com a mulher, ele começou a ameaçar suicídio. A jovem sentou-se no sofá e precisou ficar observando ele dormir para garantir que não se suicidasse.

Depois da primeira agressão, ele começou a trair Alessandra e o relacionamento chegou ao fim. Alguns meses se passaram e ele a reencontrou em um bar, passou a mandar mensagem pedindo para voltar e ela aceitou.

A cocaína, que já era uma constante na vida do casal, fez com que ele já não gravasse ou fizesse shows sem o uso da substância. A sua nova especialidade era mentir descontroladamente. O ciclo se tornou: consumir, arrumar dinheiro e consumir. Foi nessa época que o rapper queria que eles se suicidassem juntos. Alessandra felizmente recusou, mas não sabe o que teria acontecido se tivesse dito sim.

Segundo a vítima, a família dele já havia desistido do comportamento e da vida que ele levava, o que fez a jovem pensar que tinha obrigação de ajudá-lo. Ele fez sucesso, abriu shows de cantores famosos, participou de grandes festivais e o casal decidiu ir para São Paulo. “Hoje eu acredito ter sido a maior merda que eu fiz na vida”, avalia a jovem.

Em São Paulo, ela começou a sentir crises de pânico, descobriu doenças e as drogas já não faziam mais tanto sentido. As brigas eram frequentes, até que ele voltou a agredir Alessandra. Em uma briga, jogou ela no chão e deu vários chutes no seu corpo, depois levantou e a deixou sozinha durante alguns dias no apartamento. Alessandra não tinha amigos e nem família na cidade, consequentemente, não tinha com quem contar. Dias depois, quando ele voltou, quis transar com ela. “Eu transei, mas lembro até hoje da sensação de ser violada”, disse a vítima.

Ela acabou com ele um ano depois. Em 2014, voltou para João Pessoa, e mesmo morando a milhares de quilômetros de distância, ele encontrava formas de ameaçar a vida de Alessandra e de sua mãe, dizia que só deixaria a jovem em paz quando ela fosse embora da cidade. Foram oito anos de violência física e psicológica.

No ano seguinte, quando ele passou a sofrer boicote, o movimento feminista paraibano pediu para que ela contasse o que sofreu, mas ela estava grávida e passando por esse momento com muita dificuldade, preferiu não se envolver.

As pessoas que eram próximas da vítima sabiam que o relacionamento não era saudável. “Os amigos dele da época, homens, certeza que me acham uma doida”, reflete a Alessandra, que só teve coragem de contar sobre a agressão que ocorreu em São Paulo para a mãe e muito tempo depois conseguiu falar sobre a violência para outras pessoas.

Ela lembra que mulheres se juntaram para protestar no show do rapper em parceria com um outro cantor. Relatos de 2015, em redes sociais, dizem que as mulheres, ao som de gritos de “machista!”, levantaram cartazes contra suas atitudes e letras misóginas. Um protesto definido como “tranquilo, respeitoso e bonito”, mas que teria ofendido muitos homens presentes.

Anos depois, o rastro de violência deixado pelo rapper continua perseguindo Alessandra. Ela afirma que uma ex-namorada do músico já a procurou para pedir ajuda porque ele havia roubado dinheiro dela e a sua atual esposa pediu conselhos porque também teria sido agredida. Alessandra recomendou que ela se separasse.

Hoje, o músico atua como produtor e tem uma agenda de shows em João Pessoa que, apesar de reduzida, ainda permanece aquecida. Ele ainda é referência para uma nova geração de rappers e MCs em João Pessoa, que comentam nas suas fotos, perguntando: “você está de volta?”.

O protegido

O ex-namorado de Beatriz* foi protegido pela própria mãe do músico, que manipulou a jovem com o objetivo de impedir que ela realizasse a denúncia das constantes agressões e ameaças que sofria. Representando a Paraíba, o cantor já teve um destaque nacional e continua até hoje com sua agenda de eventos aberta para todo o país. Foi um nome pensado para abrir o show de grandes artistas da música brasileira quando vieram para o estado. É assim que ele continua vivendo, como se não fosse responsável por nada.

Foi no segundo mês de namoro que um alerta acendeu na cabeça de Beatriz. Um amigo do músico ofereceu para ela uma lata de cerveja e a jovem aceitou. No dia seguinte, o casal discutiu por causa disso e foi o bastante para ele xingar e querer quebrar as coisas que estavam por perto, dizendo “você acha que eu não te saco?”.

Se Beatriz demorava a responder no WhatsApp, ele já imaginava uma traição. Ligava por chamada de vídeo para verificar se a demora não era causada por um outro homem, pedia para que ela mostrasse dentro do armário e debaixo da cama para saber se não havia ninguém escondido.

A primeira agressão física aconteceu quando ele foi fazer um show em outra cidade, onde Beatriz não tinha casa e nem conhecidos. Após o espetáculo, eles foram para uma festa, o cantor exagerou na bebida e quis pagar a conta de todo mundo. A jovem apenas mandou ele dar uma “segurada”, mas o músico disse que ela estava o humilhando na frente dos amigos. Ele ignorou Beatriz até chegar no apartamento em que passaram a noite.

Fora do alcance dos olhos dos fãs e dos amigos, ele empurrou Beatriz na quina da porta e ela bateu a cabeça. Depois jogou a jovem contra a parede, apertou seu pescoço e fechou a mão na tentativa de dar um soco. Ela relembra que teve uma postura combativa, não aceitou a violência e disse que ia contar para todo mundo o que ele estava fazendo, até para o filho dele. Foi aí que ele apertou com mais força.

Ela conseguiu se trancar no quarto e os vários hematomas e arranhões foram aparecendo, a jovem tinha todas as provas para denunciar. A mãe do cantor manipulou Beatriz para que ela não denunciasse em nome da “amizade” delas e essa não seria a última vez que a sogra iria agir para impedir que a denúncia fosse realizada. A vítima saiu dessa violência com um colar cervical e teve que dizer para família e amigos que havia sofrido uma queda.

A violência continua sem justificativa, mas ele tentava de tudo: “isso aconteceu por causa da minha mediunidade”; “foram os meus traumas, vim de um relacionamento conturbado e fui traído, o que você fez foi um gatilho”; “está vendo o que você me obrigou a fazer?”.

Foram muitos anos no relacionamento e quando eles terminaram, ela estava com a autoestima destruída pelas violências e constantes manipulações. O namoro acabou, mas o casal continuou se vendo. Ele passou um ano levando vida de solteiro, sem assumir que ainda tinha certo relacionamento com a jovem e cobrando sua fidelidade, enquanto fazia Beatriz se sentir péssima.

Quando ele descobriu que ela estava começando a encontrar outro rapaz, a violência veio em forma de ameaça em áudio. O cantor falava que ia espancá-la se a jovem chegasse perto dele. A sogra interveio novamente e fez Beatriz apagar o áudio na frente dela. “Era como pisar em ovos”, relembra a vítima. Tudo poderia desencadear uma sessão de violência e a família dele sabia das agressões.

Na época, as manipulações da sogra foram efetivas para que a jovem não fizesse a denúncia nem contasse para amigos ou familiares. Os amigos já estavam afastados, já que o músico só deixava ela sair com algumas pessoas. Segundo Beatriz, os amigos do cantor nunca presenciaram uma cena de violência e ela disse acreditar que eles devem achar que era louca.

Beatriz conta que foi um longo processo para relembrar de tudo isso sem tanta dor. Só passou a entender o que estava acontecendo quando foi para a psicóloga e ela classificou seu relacionamento como abusivo.

Aprovada, mas em troca…

Jéssica* sofreu um assédio quando um músico e produtor, que atuava como curador de um grande festival de música paraibana, retirou ela de uma palestra para contar que a jovem foi selecionada para a premiação. Segundo Jéssica, o produtor sempre demonstrou interesse em ter um relacionamento com ela, mas nunca foi correspondido.

“Tinha muita gente lá, muitas pessoas boas, mas parabéns você foi selecionada. Você sabia que eu estava no júri?”, teria dito o músico, que é vocalista de uma banda de origem campinense que diz tocar uma mistura de tudo e não pode ser definida por um gênero.

O problema é que no dia do ocorrido, o resultado oficial ainda não havia saído e na conversa ficou subentendido que ele tinha escolhido a música dela não pela qualidade da produção, mas por esperar algo em troca.

Todos eles estão juntos

A história de Amanda* mostra que todos eles andam juntos, na mesma banda campinense, e muito famosa em João Pessoa. Ela foi gritada pelo baterista dessa banda, dentro do estúdio, onde ela estava gravando seu primeiro disco. Ele estava trabalhando como baterista do álbum e não teria gostado dos rumos escolhidos pela cantora, mesmo não sendo o produtor. O baterista gritou com ela e abandonou o trabalho.

Anos depois, ela sofreu bullying em um grupo do WhatsApp formado majoritariamente de músicos homens. Ela produziu um beat e foi ridicularizada por um guitarrista dessa mesma banda. O músico fez uma montagem ridicularizando a batida e fez comentários que desqualificam a carreira da musicista, dando a entender que ela tinha poucas referências musicais. Os homens do grupo não fizeram nada, mas posteriormente, falaram que ele queria apenas atenção.

Denuncie a violência contra a mulher

Vítimas e testemunhas de violência contra a mulher podem denunciar as agressões por meio da Central de Atendimento à Mulher (180). Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar (190), e para denúncias anônimas, a Polícia Civil (197). Para casos sem violência física ou sexual, pode ser registrado Boletim de Ocorrência on-line pelo site www.delegaciaonline.pb.gov.br. As denúncias também podem ser realizadas de forma presencial nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs).

*Algumas testemunhas preferiram não se identificar por medo de que, em vez de serem acolhidas, a reação fosse contrária, resultando no boicote das vítimas e afetando seus trabalhos ou relações. Outras ainda sentem muito medo da violência. Respeitamos o direito ao sigilo e demos um nome fictício para todos aqueles que preferiram manter o anonimato. Os nomes dos agressores foram omitidos porque os processos ainda não estão concluídos (trânsito em julgado).

Matéria alterada às 9h41 para correção na legenda da foto de destaque e acréscimo de informações sobre o caso de Mihaela.

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