O assassinato de Anielle Teixeira e o necessário esforço da imprensa para não cair no senso comum

O assunto em João Pessoa neste pós feriado, 8 de setembro, é um só:

O corpo de Anielle Teixeira, de 11 anos, que havia desaparecido na praia do Cabo Branco no início da manhã do domingo (5) foi encontrado em uma área de mata no bairro do Miramar, na lateral do supermercado Pão de Açúcar, na Capital. Segundo as informações da polícia, a menina estava sem roupas e os sinais seriam de crime sexual e esganadura. Pelo estado de decomposição, estima-se que a morte teria acontecido ainda no domingo, dia em que ela desapareceu.

O que sabemos até agora:

Anielle havia sido vista pela última vez por volta das 5h de domingo.

Ela, a mãe e sete irmãos dormiram em um quiosque depois de passar a tarde na praia.

Aproximadamente às 4h30, no entanto, um homem se aproximou do local, conversou com a menina e depois ela saiu com ele. Não há sinais aparentes de coação ou violência.

A mãe, Cíntia Teixeira, dormia no momento e só percebeu que Anielle não estava mais perto dela quando acordou.

O principal suspeito do assassinato é conhecido apenas como Alex e teria trabalhado em outro quiosque da praia. A polícia está procurando localizar o homem para entender a motivação do crime.

A delegada Luísa Correia informou que o homem já foi identificado e que familiares dele moram nas imediações da mata onde o corpo de Anielle foi encontrado.

Alex morou no bairro de São José, mas atualmente seu endereço não é conhecido. Também de acordo com a delegada, a polícia recebeu informações no fim da noite de ontem a respeito de gritos de uma criança pedindo socorro.

Toda e qualquer informação extra, é mera especulação.

Mas agora vamos tentar fazer um exercício e fugir do senso comum?

Em casos como esse é totalmente aceitável reagir emocionalmente. Uma criança foi assassinada e, provavelmente, sofreu violência sexual. É preciso sim ter estômago para lidar com essas situações e é quase impossível não deixar que os sentimentos aflorem.

Mas nós, que fazemos uma imprensa séria, temos o dever de nos vigiar para não cairmos no senso comum e ter a noção exata do tipo de informação que queremos repassar. Mostrar ao vivo um pai em estado de choque? Ou uma mãe visivelmente afetada por remédios? O que isso acrescenta ao caso? Uma criança foi assassinada: é preciso mostrar o desespero dos pais para que a sociedade se abale? Que tipo de sociedade é essa? Que tipo de imprensa alimenta isso?

A cada duas horas, uma menina é estuprada no Brasil, só de casos notificados. Elas não são estupradas por seres atrozes e vis, loucos e doentes. São estupradas por homens do seu convívio familiar e social. Pais, padrastos, tios, avós, irmãos, amigos da família, vizinhos. Até que o assassino, ou assassinos de Anielle Teixeira sejam diagnosticados com algum transtorno de psicopatia, eles são homens comuns.

São os homens comuns que violentam, estupram e matam e eles fazem isso porque cresceram com a ideia de que os corpos femininos são para ser usados como propriedade privada. A ideia de que as mulheres pertencem aos homens é o grande motor da violência doméstica, dos estupros e dos feminicídios. Mas não só.

Essa ideia também alimenta os abusos psicológicos e os assédios sexuais e morais.

Aos homens que estão com o coração cheio de revolta e medo, fica a dica: seu amigo/irmão/parceiro é um potencial abusador de mulheres e é possível que você tenha total noção disso. Sua camaradagem alimenta essa engrenagem.

Até que se prove o contrário, Anielle Teixeira foi vítima de um homem comum, sem nenhum traço de doença. Do drama de uma família que resolveu passar o dia na praia e não teve dinheiro pra voltar pra casa até o assassinato de uma criança, existem infinitas variáveis que envolvem uma série de vulnerabilidades e o fio que liga tantas tragédias é imenso.

Sim, houve um crime hediondo e todos nós clamamos por justiça. Mas não é vomitando senso comum que chegaremos numa solução para evitar que quase 6 mil crianças – de zero a 14 anos – sejam estupradas por ano no Brasil.

 

Taty Valéria, com informações do ParlamentoPB

 

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