Na Paraíba: 142 crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta em 2020, alertam UNICEF e Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Levantamento inédito traça um panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no País, com base nos boletins de ocorrência de 26 estados e Distrito Federal. Na Paraíba, 142 crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta em 2020.

Entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil – uma média de 7 mil por ano. É o que revela o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado nesta sexta-feira (22) pelo UNICEF e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com uma análise inédita dos boletins de ocorrência das 27 unidades da Federação.

A violência se dá de forma diferente de acordo com a idade da vítima. Crianças morrem, com frequência, em decorrência da violência doméstica, perpetrada por um agressor conhecido. O mesmo vale para a violência sexual contra elas, cometida dentro de casa, por pessoas próximas. Já os adolescentes morrem, majoritariamente, fora de casa, vítimas da violência armada urbana e do racismo.

A maioria das vítimas de mortes violentas é adolescente. Das 35 mil mortes violentas de pessoas até 19 anos identificadas entre 2016 e 2020, mais de 31 mil tinham entre 15 e 19 anos. A violência letal, nos estados com dados disponíveis para a série histórica, teve um pico entre 2016 e 2017, e vem caindo, voltando aos patamares dos anos anteriores. Ao mesmo tempo, o número de crianças de até 4 anos vítimas de violência letal aumenta, o que traz um sinal de alerta.

“A violência contra a criança acontece, principalmente, em casa. A violência contra adolescentes acontece na rua, com foco em meninos negros. Embora sejam fenômenos complementares e simultâneos, é crucial entendê-los também em suas diferenças, para desenhar políticas públicas efetivas de prevenção e resposta às violências”, afirma Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil.

“A violência contra crianças e adolescentes é um problema grave, que precisa ser cada vez mais discutido por nossa sociedade. São vítimas dentro de suas próprias casas enquanto são pequenas e sofrem com a violência nas ruas quando chegam à pré-adolescência. O Poder Público precisa encarar a questão com seriedade e evitar que mais vidas sejam perdidas a cada ano”, diz Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Os dados desse Panorama foram obtidos pelo FBSP, por meio da Lei de Acesso à Informação. Foram solicitados a cada estado brasileiro os dados de boletins de ocorrência dos últimos cinco anos, referentes a mortes violentas intencionais (homicídio doloso; feminicídio; latrocínio; lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial) e violência sexual (estupros e estupros de vulneráveis) contra crianças e adolescentes. Essas informações não são sistematicamente reunidas e padronizadas, tratando-se, portanto, de uma análise inédita e essencial para a prevenção e a resposta à violência contra meninas e meninos.

Violência contra a criança, um crime dentro de casa

Embora o maior número de vítimas de mortes violentas esteja na adolescência, é importante olhar também para as mortes violentas de crianças. Entre 2016 e 2020, foram identificadas pelo menos 1.070 mortes violentas de crianças de até 9 anos de idade. Em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, foram 213 crianças dessa faixa etária mortas de forma violenta, sendo cinco na Paraíba.

Houve um aumento na faixa etária de até 4 anos, o que preocupa por serem mortes violentas na primeira infância. Nos 18 estados para os quais se dispõem de dados completos para a série histórica, as mortes violentas de crianças de até 4 anos aumentaram 27% de 2016 a 2020 – passando de 112, em 2016, para 142, em 2020.

No total de crianças de até 9 anos mortas de forma violenta, 56% eram negras; 33% das vítimas eram meninas; 40% morreram dentro de casa; 46% das mortes ocorreram pelo uso de arma de fogo; e 28% pelo uso de armas brancas ou por “agressão física”. Esse perfil muda bastante nas faixas etárias seguintes.

Violência armada urbana, um crime contra o adolescente negro

Em todas as idades, as principais vítimas de mortes violentas são os meninos negros. Esse perfil, no entanto, se intensifica ainda mais na adolescência. Para os meninos, a faixa etária dos 10 aos 14 anos marca a transição da violência doméstica para a prevalência da violência urbana. Nessa idade, começam a predominar mortes fora de casa, por arma de fogo e com autor desconhecido.

Quando os adolescentes chegam à faixa etária de 15 a 19 anos, essa transição no perfil da violência letal está consolidada. As mortes violentas têm alvo específico: mais de 90% das vítimas são meninos, e 80% são negros.

O número de mortes violentas de adolescentes de 15 a 19 anos caiu de 6.505 em 2016 para 4.481 em 2020, nos 18 estados em que há dados completos de série histórica. Em 2020, no total dos 27 Estados, 5.282 crianças e adolescentes de 15 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil. Na Paraíba, em 2020, foram 130.

Mortes por intervenção policial, um alerta

Esses meninos, pretos e pardos, morrem fora de casa, por armas de fogo e, em uma proporção significativa, são vítimas de intervenção policial.

Em 2020, nos 24 estados em que há dados (exceções são BA, DF e GO), um total de 787 mortes de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos foram identificadas como mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP). Esse número representa 15% do total das mortes violentas intencionais nessa faixa etária, e indica uma média de mais de duas mortes por dia no País.

A urgência de políticas capazes de prevenir e responder à violência

Diante desse cenário, há medidas fundamentais que precisam ser priorizadas no País, com foco em prevenir atos de violência letal e sexual contra crianças e adolescentes, e em dar respostas a esses crimes. Essas respostas pressupõem um olhar específico para as diferentes etapas de vida e para as diferentes formas de violência mais prevalentes em cada momento da infância e na adolescência.

Entre as principais recomendações, destacam-se:

• Não justificar nem banalizar a violência

• Cada vida importa, e cada criança, cada adolescente deve ser protegido de todas as formas violências. Não se pode normalizar as mortes e a violência sexual, é preciso enfrentar esses crimes.

• Toda pessoa que testemunhar, souber ou suspeitar de violências contra crianças e adolescentes deve denunciar. Proteger é responsabilidade de todos.

• Capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes

• Eles são fundamentais para prevenir, identificar e responder às violências contra a infância e a adolescência. Ampliar a implementação da Lei 13.431, voltada à escuta protegida de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência.

• Trabalhar com as polícias para prevenir a violência

• Investir em protocolos, treinamentos e práticas voltadas à proteção de meninas e meninos.

• Garantir a permanência de crianças e adolescentes na escola

• Entendendo a escola e os profissionais da educação como atores centrais na prevenção e resposta à violência.

• Ampliar o conhecimento de meninas e meninos sobre seus direitos e os riscos da violência

• Para prevenir e responder à violência, é importante garantir que crianças e adolescentes tenham acesso a informação, conheçam seus direitos, saibam identificar diferentes formas de violência e pedir ajuda.

• Responsabilizar os autores das violências

• Garantir prioridade nas investigações sobre violências contra crianças e adolescentes.

• Investir no monitoramento e na geração de evidências

• Levantamentos como este Panorama são essenciais para entender o cenário das violências e tomar medidas para enfrentá-lo.

Cada uma dessas recomendações é essencial para mudar o cenário atual e proteger crianças e adolescentes da violência. A cada vida perdida, a infância e a adolescência inteiras são atingidas.

Com informação do Unicef

 

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