Maternidade x vida profissional: a frieza do mercado de trabalho e o controle social

Artigo de Márcia Marques

É cada vez mais comum entre nós mulheres a ideia de não querer ser mãe. E isto é comprovado através do IBGE, que aponta a taxa de natalidade atual de 1,65 filhos por mulher, num país que já teve uma taxa de 6 filhos por mulher na década de 60, 4 filhos na década de 80 e chegando a 2 filhos por mulher nos anos 2000.

 

É um movimento natural estimulado pelo acesso à educação e saúde, por exemplo, que são fatores essenciais na transformação da realidade social. É perceptível o caminhar feminino ao longo do tempo, onde podemos quase vislumbrar um movimento corporal saindo de uma caverna, enxergando a luz e soltando cordas e correntes até se deparar com um novo mundo de possibilidades. Mas também de perigos e ameaças, forçando este corpo a lutar sem parar.

 

Parece exagero, mas não é. E voltando aos filhos, devemos dizer que, aos poucos, vem deixando de ser uma obrigação e passou a ser uma condição optativa. Claro que não é tão simples, pois ainda há pressão social e familiar em cima dos nossos corpos. A “obrigação” de namorar, casar (o famoso ter alguém) e ter filho (e depois filhoS) ainda é uma sombra que interfere direta ou sutilmente em frases ou comportamentos. E quando falamos em mulheres LGBTQIA+ estes problemas sócio-familiares triplicam!

 

Mas ter filho traz muita responsabilidade e medo. Medo do desemprego, medo da exaustão, medo da exclusão social. Métodos contraceptivos não garantem 100%, aborto só em condições extremas e com acesso cada vez mais dificultado neste país machista e hipócrita, responsabilidade paterna/masculina caminhando a passos lentos e preguiçosos. Como não ter medo?

De acordo com um estudo realizado pelo portal empregos.com.br, 56,4% das mães (entre 18 e 45 anos) já foi demitida ou conhece outra mulher que foi desligada após voltar da licença-maternidade. A pesquisa também mostra outros dados: 63,4% das mães já precisaram se ausentar do trabalho para acompanhar os filhos em rotinas médicas (e os pais?), 4 em cada 10 mulheres relataram que já foram discriminadas em um processo seletivo por serem mães (e os homens?) e apenas 5% das mulheres foram promovidas após a maternidade. E os homens?

 

Bem, para eles resta um dado que explica muito os números já apresentados: 5,5 milhões de crianças brasileiras não têm o nome do pai no registro. Eles abortam, abandonam, se ausentam sem muitas cobranças sociais, não são questionados nas entrevistas de empregos e nem são os responsáveis pela vida escolar e médica dos seus filhos (quando assumidos).

 

Essa demissão pós licença-maternidade é o maior arrepio na espinha de qualquer mulher na vida profissional. As que desejam ser mãe ou as que acabaram sendo sem muito planejamento, se veem obrigadas a estruturar toda sua vida pensando na volta ao trabalho depois de 4 ou 6 meses. Mas muitas acabam se juntando ao número frio da estatística e, com muita luta, vão em busca de recolocação no mercado de trabalho.

 

No LinkedIn, rede social profissional, existem muitos relatos:

 

“Foram 7 anos de muito trabalho, enormes entregas, encerrados em 5 minutos.” (Márcia Alves)

 

“Aconteceu comigo também. Por muito tempo olhei pro meu filho e enxergava a minha incompetência ali sendo amamentado em meus braços.” (Natascha Melo)

 

“No meu caso, a chefia imediata era uma mulher que não teve a capacidade de me dar a notícia, mandou o supervisor, homem, que constrangido, anunciou minha demissão. Isso pra mim foi o pior. Falta de empatia e sororidade e muita covardia”. (Candice Karina)

 

“Fui demitida no mesmo dia que voltei de licença maternidade. Isso prova o quanto é difícil ser mulher no mercado de trabalho! O ESG parece que é apenas para inglês ver.” (Camila de Freitas)

 

“Em pleno mês de maio, logo depois do dia das mães e uma série de postagens lindas de várias empresas falando sobre o poder feminino e o equilíbrio entre maternidade e carreira, eu fui desligada. Sim, na segunda-feira, voltando da licença e com um bebê de 5 meses em casa, uma conversa de cerca de 15 minutos me tornou parte da estatística.” (Bianca Costriuba)

 

A dominação sobre nossos corpos ainda é muito real e cruel. Se não queremos ser mães, somos egoístas ou “menos mulher”. Se temos um filho, nos cobram o segundo. Se temos 3 ou mais, estamos loucas (exceto nas questões religiosas). Quando temos estes filhos, o mercado de trabalho nos empurra para fora, os espaços não querem nos acolher. Não há rede de apoio institucional ou governamental suficiente para nós. Mas querem, a todo custo, com valores éticos e morais extremamente questionáveis, nos forçar à maternidade.

 

Só queremos ter o direito e a tranquilidade de decidir e ter garantia de direitos reprodutivos, trabalhistas e sociais. Saímos da caverna e não voltaremos para ela.

 

Márcia Marques

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