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“O que ela estava vestindo?”
“Por que estava na rua àquela hora?”
“Ela estava bêbada numa festa, esperava o quê?”
Essas perguntas fazem parte do roteiro que é usado para “justificar” os casos de estupro. Tentar responsabilizar a vítima de violência sexual é um expediente recorrente. Isso é fato. Mas é fato também que esse tipo de pergunta abre o espaço para o debate para diversos níveis: cultura do estupro, liberdade feminina, empoderamento, cultura machista…
E quando as vítimas são crianças? Bebês?
Na última quarta-feira (29), a Paraíba tomou conhecimento do caso de um bebê de 9 meses internado em estado grave, apresentando febre e convulsões. A criança morreu logo depois. A menina, que nasceu com paralisia cerebral e morava em São José de Sabugi, havia sido levada pela mãe para fazer exames em Campina Grande.
Depois da morte, o médico que a atendeu observou que ela apresentava lesões compatíveis com violência sexual e fez uma denúncia. E finalmente na quinta-feira (30), o Núcleo de Medicina e Odontologia Legal (Numol) de Campina Grande, após exame de corpo de delito confirmou que a criança havia sofrido sido vítima de um estupro. O material coletado vai ser analisado na tentativa de identificar um suspeito.
Ainda na noite da quinta-feira, um ex-policial militar foi preso acusado de estuprar duas crianças, de 9 e 10 anos de idade. O caso aconteceu em Santa Rita, região metropolitana de João Pessoa, e o padrasto das crianças, também acusado de abuso, está sendo procurado pela polícia.
Nesses casos, qual seria a justificativa, já que a roupa, o comportamento, e as companhias não podem ser usadas?
Doença? Maldade?
De 2018 até o final do mês de abril, houve 122 registros de abuso sexual infantil na Paraíba, sendo 54 em João Pessoa. Casos que ainda são considerados subnotificados, ou seja, o número tende a ser maior.
Entre 2011 e 2017, o Brasil teve um aumento de 83% nas notificações gerais de violências sexuais contra crianças e adolescentes, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde. No período foram notificados 184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes.
Em 69% dos casos de abusos contra crianças, a violência aconteceu dentro de casa, sob os cuidados de quem deveria protege-las.
Não é racional imaginar que existam quase 60 mil homens doentes o suficientes para estuprar os próprios filhos, sobrinhos, enteados…
A cultura machista é sim a grande culpada. Esses homens não são doentes, mas foram educados numa sociedade que ensina que qualquer indivíduo mais vulnerável é uma presa.
No último dia 24, a Assembleia Legislativa da Paraíba realizou uma audiência pública para debater o enfrentamento ao abuso e exploração sexual infantil na Paraíba, e no mês de fevereiro, o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente – Cedca/PB também discutiu o tema numa audiência.
O fato é que o poder público tem obrigação de debater, pautar e agir. Mas essa é uma questão que vai além das instituições. O mais grave e urgente é tentar uma mudança de comportamento e cultura, o que é infinitamente mais difícil. O Estado pode e deve oferecer mecanismo de apoio: viabilizar canais de denúncias, dar assistência adequada às vítimas, punir culpados.
Garantir que o crime não aconteça vai além, e isso depende única e exclusivamente da forma como a sociedade pode, e deve, cuidar das suas crianças, e quando falamos de crianças, restringimos o problema ao núcleo familiar e ao modo como ensinamos nossos filhos e filhas a enxergar os outros, e a si mesmo.
Da redação, com informações do G1 PB