Até quando Bolsonaro vai empurrar os problemas do Brasil para debaixo do tapete?

By 6 de junho de 2019Brasil
foto: Estadão

Neto possui um relacionamento complicado com o pai. Enquanto adolescente que ainda não descobriu seu lugar no mundo, não se sente parte daquele núcleo familiar. Um belo dia, o pai de Neto encontra uma bituca de maconha nas coisas do filho. Dias depois, chama o rapaz pra fazer um passeio. Neto chega num lugar que ele não conhece, e por estar ouvindo música em fones de ouvido, não percebe o que está para acontecer. Neto é cercado e internado à força numa clínica de recuperação de viciados em drogas. Ali começou seu inferno.

O relato acima faz parte das cenas iniciais do filme “Bicho de 7 cabeças”, longa metragem brasileiro de 2000 dirigido por Laís Bodanzky e com roteiro de Luiz Bolognesi baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, Canto dos Malditos.

À época do lançamento, o filme gerou debates sobre a condição dos manicômios brasileiros (que foram definitivamente fechados) e abriu espaço para a questão da internação compulsória.

Em 2013, o então prefeito de São Paulo, João Dória, entrou com um pedido na Justiça para realizar internação forçada de usuários que frequentavam a região da Cracolândia para centros de reabilitação geridos pelo governo. O Ministério Público conseguiu barrar a ação. Em sua decisão sobre o caso, o desembargador Reinaldo Miluzzi afirmou que uma carta branca para a gestão recolher usuários coercitivamente “contrasta com o Estado democrático de direito”.

Na manhã desta quinta-feira (6), o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que permite que usuários de drogas sejam internados de forma compulsória. A nova lei, com diretrizes para o Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), foi publicada na edição de hoje do DOU (Diário Oficial da União).

O texto altera a Lei de Drogas , de 2006, e outras 12 normas sobre o assunto. A aprovação do Senado ao projeto — apresentado nos idos de 2013 pelo então deputado e hoje ministro da Cidadania, Osmar Terra — acendeu o alerta de especialistas e órgãos ligados à saúde e aos direitos humanos.

O Centro Brasileiro de Estudos sobre Saúde (Cebes) lançou nota pública na qual afirma ver “graves retrocessos nas políticas de drogas”. O comunicado crítico foi endossado por mais de 70 entidades, como o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.

Para o médico italiano Gilberto Gerra, chefe do departamento de prevenção às drogas e saúde do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC, na sigla em inglês), é necessário oferecer aos viciados “serviços atrativos e uma assistência social sólida”.

“Uma boa cura de desintoxicação envolve tratamento de saúde, inclusive psiquiátrico para diagnosticar as causas do vício, pessoas especializadas para lidar com os dependentes e incentivos como alimentação, moradia e ajuda para arrumar um emprego”, diz Gerra.

“O Brasil precisa investir recursos para oferecer serviços que funcionem e ofereçam acompanhamento médico completo, proteção social, comida e trabalho para os dependentes”, afirma.

A questão é polêmica

De acordo com a nova lei, as internações devem acontecer depois da autorização da família do dependente, e por um prazo máximo de 90 dias, tempo insuficiente para tratar de um vício, seja ele qual for.

Familiares que convivem com um dependente químico vivem em constante agonia, isso é fato. Aqui não cabe fazer juízo de valor sobre uma mãe ou pai que decide tomar uma atitude tão extrema. Mas é necessário e urgente que o país saiba conduzir um debate sério, científico e organizado sobre a atual política anti drogas, que até então, tem se mostrado ineficiente.

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